Cada família tem
seus bordões, seus provérbios. Frases que repetem ensinamentos antigos e
simples sobre a vida social ou a respeito de hábitos e valores que, na opinião
dos mais velhos, não devem ser esquecidos.
Minha avó
paterna, por exemplo, tinha uns ditos curiosos: quando falávamos sobre a
necessidade de ir a certo velório, ela perguntava quem era o
morto; e a depender de nossa resposta, arrematava numa delicada censura: “Mas
não é parente nem aderente, meu filho...”. Quando eu passava a noite lendo ou
preparando um trabalho para a faculdade, no dia seguinte ela dizia: “Não é bom
pra saúde passar a noite suindarando, meu filho...”. Vovó havia transformado a
suindara, a chamada coruja-de-igreja, num verbo útil e expressivo.
Manuel Bandeira,
no seu “Itinerário de Pasárgada”, lembra como sempre esteve atento a cada
manifestação da linguagem: versos de algumas histórias da carochinha, cantigas
de roda, trovas populares, pregões rimados dos vendedores ambulantes. E ao recordar
a influência de seu pai, ele diz: “Na companhia paterna ia-me embebendo dessa
ideia que a poesia está em tudo – tanto nos amores como nos chinelos, tanto nas
coisas lógicas como nas disparatadas”.
Bandeira tem
razão: encontramos poesia – e também verdade – em muitos dizeres. Alguns anos
depois da morte de meu pai, descobri, no Em busca do tempo perdido, um
provérbio que ele muitas vezes me repetira com a voz em tom de grave
advertência: “Os cães ladram e a caravana passa”. Proust o coloca na boca do
Sr. de Norpois em À sombra das raparigas em flor.
Essa máxima – e várias outras que ele nos
repetia – contribuiu, de alguma forma, para moldar nosso caráter. Há uma
variação espanhola mais suave: “A palabras necias, oídos sordos”. Mas,
definitivamente, não tem a força da imagem desses cães que, acreditando ser um
obstáculo, conseguem apenas latir.
E algum mecanismo desperta em nós essas lembranças, sempre nos momentos oportunos. Um mistério! Consigo perceber até mesmo a “pedagogia” do meu pai, a fórmula que usava para nos despertar sentimentos antagônicos aos erros que cometíamos. Sabedoria dos “antigos” que tento imitar com meus filhos, mas hoje tudo parece ‘fake’, parece não ‘colar’.
ResponderExcluirMais um belo e oportuno texto, Prof. Rodrigo.
Abraço,
Cristina Garabini
Prezado professor,
ResponderExcluirSei que é fora do tópico, mas o senhor poderia indicar uma tradução da Divina Comédia?
Grato,
Marcos Heleno
A melhor tradução em língua portuguesa é a do Vasco Graça Moura, Marcos.
ResponderExcluirObrigado pela dica professor.
ResponderExcluirAproveito para avisar aos leitores interessados que encontrei a tradução indicada em promoção na Saraiva por R$ 46,64.
Grato.