agosto 15, 2011

“Inocência”, de Taunay: valioso – mas desigual

Sejamos claros: Inocência, de Alfredo Maria Adriano d’Escragnolle Taunay, mais conhecido como visconde de Taunay, é um romancinho sentimental, contaminado daquele sentimentalismo – tão próprio dos românticos brasileiros – que dá vida a Romeus e Julietas apartados do gênio shakespeariano. Neste caso, a filha dos Capuletos é uma jovem de atrativos duvidosos, agradáveis aos que nascem e vivem na rudeza do sertão – “Vinha vestida de uma saia de algodão grosseiro e, à cabeça, trazia uma grande manta da mesma fazenda, cujas dobras as suas mãos prendiam junto ao corpo. Estava descalça, e a firmeza com que pisava o chão coberto de seixinhos e gravetos, mostrava que o hábito lhe havia endurecido a planta dos pés, sem lhes alterar, contudo, a primitiva elegância e pequenez” – ou aos que, semelhantes a Taunay, forçado a passar longo tempo sob situações adversas, encontram maneiras censuráveis de satisfazer as pulsões sexuais: em suas Memórias, ele recorda o período durante o qual, ocupando o posto de engenheiro do exército na Guerra do Paraguai, enfurnado no sertão mato-grossense, comprou de certo homem, hábil negociante, a posse da filha, uma indiazinha chané, por “um saco de feijão, outro de milho, dois alqueires de arroz, uma vaca para o corte e um boi de montaria”, valores aos quais teve de acrescentar, a fim de conseguir a plena anuência da jovem, “um colar de contas de ouro, que, em Uberaba, me havia custado quarenta ou cinquenta mil-réis”. Participando de uma guerra, estacionado nesta ou naquela vila, Taunay, dócil à lei da necessidade, certamente idealizou os pés grosseiros da indiazinha – além de outros detalhes, inarráveis –, a ponto de, anos mais tarde, escrever:

[...] Em tudo lhe achava graça, especialmente no modo ingênuo de dizer as coisas e na elegância inata dos gestos e movimentos. Embelezei-me de todo por esta amável rapariga e, sem resistência, me entreguei ao sentimento forte, demasiado forte, que em mim nasceu. Passei, pois, ao seu lado dias descuidosos e bem felizes, desejando de coração que muito tempo decorresse antes que me visse constrangido a voltar às agitações do mundo, de que me achava tão separado e alheio.

Pensando por vezes e sempre com sinceras saudades daquela época, quer parecer-me que essa ingênua índia foi das mulheres a quem mais amei.

Sentimentos que inspiraram um conto, “Ierecê a Guaná”, e, sem dúvida, Inocência.

De volta à realidade e às “agitações do mundo” – que lhe conferiram, até a queda do Império, honrarias próprias de um respeitável homem público, merecedor da confiança de Pedro II –, Taunay casou-se com Cristina Teixeira Leite, filha e neta de barões. Como disse G. K. Chesterton, “a sentimentalidade, a que é de bom gosto chamar de doentia, é de todas as coisas a mais natural e saudável; é a verdadeira extravagância da saúde juvenil”.

Verbosidade

Questões biográficas à parte, Inocência tem recebido encômios dos principais críticos brasileiros, algumas vezes com evidente exagero. Trata-se de prática rotineira entre nós, infelizmente, chamar de genial o apenas razoável, como se o país, destituído de um número de gênios que corresponda ao tamanho do seu território, se dispusesse a criá-los à força, ainda que, para tanto, fosse obrigado a edulcorar a verdade. E não há exagero em minhas palavras. Leiam os cadernos culturais: aqui, nasce um gênio a cada semana. É pena que a quase absoluta maioria tenha vida efêmera – muitos não resistem à primeira troca de fraldas; poucos, cujos amigos estão nos postos certos, ganham sobrevida de uma década.

Mas a fama de Taunay não se deve ao empenho de pistolões. Somaram-se alguns fatores para conceder à ficção do visconde a importância de que desfruta ainda hoje: Inocência é o primeiro sopro, razoavelmente feliz, do realismo; o sinal de que, enfim, a temática dos nossos escritores começava a mudar e, lentamente, afastava-se da estética romântica. Acrescentemos a isso o ímpeto de se agarrar a qualquer tábua de salvação – afinal, precisamos de bons escritores! –, as poucas e inegáveis qualidades do livro, a recepção positiva da obra no exterior e a vocação repetitória de parcela da nossa crítica – e entenderemos como Taunay chegou ao panteão da literatura brasileira.

O texto que mais se aproxima do equilíbrio, quando se trata de analisar a ficção de Taunay, é o capítulo “Ecos românticos, veleidades realistas” do livro Prosa de ficção, escrito por Lúcia Miguel-Pereira. A autora capta os matizes do período de passagem do romantismo à obra madura de Machado de Assis – e quando chega a Taunay, não deixa, apesar das contemporizações, de apontar problemas. Lúcia cita qualidades do escritor – “o íntimo sentimento da língua, a graça da narrativa, o poder de animar as personagens, a arte de criar ressonâncias” – mas ressalta que ele as possuía “sem grande relevo”. Aponta também sua falta de “dotes para os conflitos psicológicos”; salienta o pernosticismo de suas personagens femininas; e, ao falar de Inocência, acrescenta ao último senão a simplicidade esquemática das personagens e o caráter “bastante prolixo” de seu narrador.

De fato, Taunay sofre de uma tendência irrefreável à verbosidade. Estilo, aliás, que contaminou Euclides da Cunha, cujos ritmo da frase e organização dos parágrafos assemelham-se aos do visconde. O leitor que cotejar trechos de Os Sertões com o primeiro capítulo de Inocência ficará desagradavelmente surpreso. Assim escreve Taunay:

Através da atmosfera enublada mal pode então coar a luz do sol. A incineração é completa, o calor intenso; e nos ares revoltos volitam palhinhas carboretadas, detritos, argueiros e grânulos de carvão que redemoinham, sobem, descem e se emaranham nos sorvedouros e adelgaçadas trombas, caprichosamente formadas pelas aragens, ao embaterem umas de encontro às outras.

Por toda a parte melancolia; de todos os lados tétricas perspectivas.

É cair, porém, daí a dias copiosa chuva, e parece que uma varinha de fada andou por aqueles sombrios recantos a traçar às pressas jardins encantados e nunca vistos. Entra tudo num trabalho íntimo de espantosa atividade. Transborda a vida. Não há ponto em que não brote capim, em que não desabrochem rebentões com o olhar sôfrego de quem espreita azada ocasião para buscar a liberdade, despedaçando as prisões da penosa clausura.

Àquela instantânea ressurreição nada, nada pode pôr peias.

E ele segue, adicionando adjetivos sobre adjetivos, a ponto de causar entojo:

Basta uma noite, para que formosa alfombra verde, verde-claro, verde-gaio, acetinado, cubra todas as tristezas de há pouco. Aprimoram-se depois os esforços; rompem as flores do campo que desabotoam às carícias da brisa as delicadas corolas e lhes entregam as primícias dos seus cândidos perfumes.

Quando Taunay narra, a enumeração detalhada significa, principalmente, adjetivar. Antes dos trechos acima, ao descrever o princípio do incêndio, as chamas são “esguias”, “trêmulas”, “medrosas”, “vacilantes” e “sôfregas” – e isso num espaço de três ou quatro linhas. Mais à frente, o leitor desavisado pode sofrer engulhos diante do texto piegas, que exibe as piores características do romantismo brasileiro:

Se falham essas chuvas vivificadoras, então por muitos e muitos meses, aí ficam aquelas campinas, devastadas pelo fogo, lugrubemente iluminadas por avermelhados clarões sem uma sombra, um sorriso, uma esperança de vida, com todas as suas opulências e verdejantes pimpolhos ocultos, como que raladas de dor e mudo desespero por não poderem ostentar as riquezas e galas encerradas no ubertoso seio.

Problemas que se repetem no transcorrer do romance, como nesta aula de empolamento, no Capítulo XXIII, em que aprendemos a descrever com exagero ou enfadar leitores:

Aquela hora dava a lua de minguante alguma claridade à terra; entretanto, como que se pressentia outra luz a preparar-se no céu para irradiar com súbito esplendor e infundir animação e alegria à natureza adormecida. Nos galhos das laranjeiras, ouvia-se o pipilar de pássaros prestes a despertar, um gorjeio íntimo e aveludado de ave que cochila; e ao longe um sabiá mais madrugador desfiava melodias que o silêncio harmoniosamente repercutia. Riscava-se o oriente de dúbias linhas vermelhas, prenúncio mal percebível da manhã; nos espaços pestanejavam as estrelas com brilho bastante amortecido, ao passo que fina e amarelada névoa empalecia o tênue segmento iluminado do argênteo astro.

Não basta a Taunay listar os sinais do amanhecer; ele é magnetizado pelo circunlóquio: a cena pegajosa está colocada diante do leitor, os adjetivos encharcam a página, mas o visconde precisa adicionar ainda mais retórica e dizer “prenúncio mal percebível da manhã”. Reencontraremos esse vício, em diferentes proporções. Quase no final, quando Cirino conhece o sertanejo a quem Inocência está prometida, pensa: “– Enfim, conheci o Manecão! [...] E para esse é que reservam a minha gentil Inocência?!... Bonito homem para qualquer... para mim, para ela, horrendo monstro!... E como é forte!”. Não satisfeito, o narrador se intromete, a fim de completar o que não necessita de complemento: “Digamo-lo, sem por isso amesquinhar o nosso herói, a ideia de força do rival acabrunhava-o”. E de maneira a comprovar a superfluidade da intromissão, volta a permitir que seu personagem reflita: “– Se eu pudesse... esmagava-o!... E que ar sombrio e desconfiado!... Meu Deus, daí-me coragem... [...]”. Outras vezes, ele opta pela construção pleonástica evidente e pode deixar escapulir uma “carniça putrefata”.

Apesar de nascido no Brasil, Taunay era descendente de nobres franceses. Em família, aprendeu, desde cedo, a fidelidade ao sistema monárquico e às raízes aristocráticas. Dedicado ao país – sua digna carreira política só foi cerceada pelo advento da República –, parecia, no entanto, escrever para deleite dos europeus. Em Inocência, o narrador interrompe seu relato a fim de explicar a esses hipotéticos leitores o comportamento dos personagens e os costumes da região; e o faz com estranho distanciamento, assumindo a voz do etnógrafo que narra a estrangeiros os traços exóticos de certo povo.

No Capítulo V, Pereira, o pai de Inocência, verbaliza sua opinião sobre as mulheres:

– Esta obrigação de casar as mulheres é o diabo!... Se não tomam estado, ficam jururus e fanadinhas...; se casam podem cair nas mãos de algum marido malvado... E depois, as histórias!... Ih, meu Deus, mulheres numa casa, é coisa de meter medo... São redomas de vidro que tudo pode quebrar... Enfim, minha filha, enquanto solteira, honrou o nome de meus pais... O Manecão que se aguente, quando a tiver por sua... Com gente de saia não há que fiar... Cruz! botam famílias inteiras a perder, enquanto o demo esfrega um olho.

Preconceituosas, as palavras refletem o pensamento típico do homem rude ou interiorano, transmitido boca a boca até hoje, e recuperam a saborosa forma de falar da gente simples. Taunay, contudo, se encarrega de enfraquecer a naturalidade do parágrafo, acrescentando:

Esta opinião injuriosa sobre as mulheres é, em geral, corrente nos nossos sertões e traz como consequência imediata e prática, além da rigorosa clausura em que são mantidas, não só o casamento convencionado entre parentes muito chegados para filhos de menor idade, mas sobretudo os numerosos crimes cometidos, mal se suspeita possibilidade de qualquer intriga amorosa entre pessoa da família e algum estranho.

Passamos, assim, da ficção ao relatório de excentricidades, o que talvez justifique as inúmeras traduções do livro na Europa. Pari passu, várias notas de rodapé servem a igual propósito. No Capítulo XVI, a divertida negociação entre o curandeiro Cirino e um paciente sovina, que regateia o preço do tratamento, estabelecido em “cem mil réis”, é ilustrada pela nota de rodapé que o visconde deve ter considerado importantíssima: “É o preço por que um curandeiro queria curar um empalamado, por cuja fazendola passamos em julho de 1867, nesse mesmo sertão de Sant’Ana”.

Voltando aos adjetivos, muitas vezes a imaginação de Taunay torna-se febril – e no afã de encontrar o qualificativo correto, acaba fazendo péssimas escolhas. Assim, os buritis começam a “ciciar a modo de harpas eólias”, os cocos são vestidos de “escamas romboidais”, a vila de Sant’Ana do Parnaíba é “sezonática e decadente”, um personagem apresenta respiração “isocrônica e ruidosa”... A infantilização também ronda o livro: um “lepidóptero” pode ser azul “como cerúleo cantinho do céu”.

São inaceitáveis e incompreensíveis, portanto, os juízos a respeito do livro que se consolidaram e continuam a ser repetidos. Os pródigos elogios de José Veríssimo fazem-nos pensar se ele, de fato, leu o livro: “Não havia em Inocência os arrebiques e enfeites com que ainda os melhores dos nossos romances presumiam embelezar-nos a vida e os costumes e a si mesmos sublimarem-se. E com rara simplicidade de meios, língua chã e até comum, estilo natural de quase nenhum lavor literário, composição sóbria, desartificiosa, quase ingênua, e, relativamente à então vigente, original e nova, saía uma obra-prima”. Alfredo Bosi, peremptório e desmedido, diz que, “no âmbito de nosso regionalismo, romântico ou realista, nada há que supere Inocência em simplicidade e bom gosto”. E apenas para citar mais um exemplo, fiquemos com o destempero de João Luiz Lafetá: “[...] A narrativa de Inocência tem a graça das coisas simples, e por isso é que nos atinge de modo tão direto em nossa sensibilidade. Uma história de juventude e amor, contada sem afetação e sem pretensões de grandeza, despida de idealizações eloquentes, tem a exemplaridade dos fatos paradigmáticos, representa com exatidão um dos grandes momentos da vida de cada um de nós”.

Antevisão do realismo

Se há uma qualidade no texto de Taunay, ela se concentra no perfil e nas vozes de alguns personagens. Cirino e Inocência, o par de apaixonados, ainda que obedeçam a planos esquemáticos – seguem, até o paroxismo, os piores chavões da estética romântica –, demonstram certa complexidade, infelizmente mal aproveitada. Cirino apresenta-se como médico, mas sequer tirou o diploma de farmacêutico; não passa, logo, de um curandeiro. Soma mais acertos que erros à sua prática, mas não hesita em agir como mentiroso e aproveitador quando lhe faltam os remédios certos, passando a receitar mezinhas cujo efeito é incerto – e apesar de se dizer homem de ciência, mostra-se apegado a superstições. Está longe, portanto, de representar o herói romântico de moral inquebrantável. Quanto a Inocência, nada tem de inocente. Pouco aparece no livro, escondida numa espécie de gineceu, mas, quando surge, comporta-se de maneira a ratificar as ideias machistas de Pereira: mal conheceu Cirino, age como sua cúmplice e, instintivamente, finge diante do pai:

– Sente mais febre? Perguntou Cirino muito baixinho.
– Não sei, foi a resposta, e resposta demorada.
– Deixe-me ver o seu pulso.
E tomando-lhe a mão, apertou-a com ardor entre as suas, retendo-a, apesar dos ligeiros esforços que, para a retrair, empregou ela por vezes.
Nisto, entrou Pereira. Inocência fechou com presteza os olhos e Cirino voltou-se rapidamente, levando um dedo aos lábios para recomendar silêncio.
– Está dormindo, avisou com voz sumida.

Depois que os jovens finalmente se declaram, veem-se diante da impossibilidade de ficarem juntos, pois Inocência está prometida a Manecão. Após longa conversa e muitas lágrimas, é dela que parte a ideia de pedir ajuda a seu padrinho, a quem o pai respeita e deve favores e dinheiro. Ladina, mais maliciosa que Cirino – apesar de viver quase enclausurada –, ela insiste:

– Mas, interrompeu Inocência, não lhe fale em mim, ouviu? Não lhe diga que tratou comigo... que comigo mapiou... Estava tudo perdido... Invente umas histórias... faça-se de rico... nem de leve deixe assuntar que foi por meu juízo que mecê bateu à porta dele... Hi! Com gente desconfiada, é preciso saber negaciar...

Num breve trecho, Taunay pode retratar perfeitamente as falas e os gestos típicos, somando-os ao orgulho do pai que, a seu modo, ama a filha:

– Pois bem, o Manecão ficou ansim meio em dúvida; mas quando lhe mostrei a pequena, foi outra cantiga... Ah! Também é uma menina!...
E Pereira, esquecido das primeiras prevenções, deu um muxoxo expressivo, apoiando a palma da mão aberta de encontro aos grossos lábios.
– Agora, ela está um tanto desfeita; mas quando tem saúde é choradinha que nem mangaba do areal. Tem cabelos compridos e finos como seda de paina, um nariz mimoso e uns olhos matadores...
Nem parece filha de quem é...

Um segundo par, formado por personalidades antagônicas, prende nossa atenção: o entomologista alemão Tembel Meyer e seu criado, José. O relacionamento desses dois é marcado por uma tolerância na qual à relativa tensão soma-se perfeita dose de humor, pois o cientista está sempre a corrigir, de maneira paternal, o empregado, enquanto este vive numa indignação permanente, sem compreender o porquê de caçar borboletas e outros insetos, mas resignando-se, pois necessita do emprego. O sábio e o rude unem-se, desse modo, numa relação que, apesar do esquematismo, jamais perde a graça.   
 
À dramaticidade fácil e previsível do embate final, entre Manecão e Cirino, contrapõe-se o comovente Capítulo XVII, em que um morfético busca, desesperado, a ajuda do falso médico para sua doença, àquela época sem cura. É um dos trechos mais bem estruturados do romance, composto basicamente por dois longos diálogos, nos quais seguimos o violento preconceito que até hoje subsiste em relação à lepra e o trágico desamparo do fazendeiro atacado pelo mal.

O grotesco também está presente no romance, na figura do anão Tico, de rosto repleto de rugas e mudo – “uma espécie de cachorro de Nocência”, diz o pai. Será ele, demoníaco em sua propensão a vigiar a protagonista, que alertará Pereira e Manecão, desencadeando o fim do jovem curandeiro. Tico simboliza a própria rudeza do sertão, cujas regras nascem de uma ética funesta, se comparada à do mundo civilizado.

Mas no que se refere aos diálogos plenos de naturalidade, espalhados por todo o romance, Taunay alcança sua melhor forma no Capítulo XXIV, no qual reúne, em torno de Cirino, moradores importantes da vila de Sant’Ana. A epígrafe do capítulo, irônica – repetindo, aliás, o poder sugestivo das demais, sempre bem escolhidas pelo autor –, anuncia: “Debaixo do céu há uma coisa que nunca se viu: é uma cidade pequena sem falatórios, mentiras e bisbilhotices”. O major Taques, o vigário e o coletor crivam Cirino de perguntas, às quais o rapaz responde, às vezes de maneira capenga, pois pretende esconder o real motivo da viagem. Trata-se de um quarteto operístico perfeito, em que cada personalidade assume uma voz própria, intrometendo-se na conversa e fazendo observações paralelas. Logo a seguir, Manecão aparece e a tensão se instala. Quando o grupo se desfaz e os rivais se afastam, tomando rumos opostos, os inevitáveis comentários surgem, dando vida a especulações.

Tais cenas, que merecem elogios, formam uma antevisão do que o melhor realismo e os mais importantes ficcionistas pós-Semana de Arte Moderna produziram em nosso país. É pena que não pertençam a um todo coerente, uniforme, mas sejam o reflexo da personalidade que Wilson Martins sintetizou: “Realista pela inspiração, mas romântico pelo estilo e pelos sentimentos; olhando a realidade bem nos olhos... mas com os olhos ingênuos do menino louro e de cabelos anelados criado junto à saia da mãe [...]”. Voltaremos a Taunay num próximo ensaio. Por enquanto, deixo os leitores com este romancinho valioso, mas desigual.

Um comentário:

Pedrita disse...

eu adoro esse livro e amo o filme. beijos, pedrita