setembro 03, 2010

Recado de Borges aos críticos e escritores herméticos

Quando comecei a escrever, pensei que tudo devia ser definido pelo escritor. Dizer, por exemplo, «a lua» era estritamente proibido; era necessário encontrar um adjectivo, um epíteto para a lua. (Claro que eu estou a simplificar as coisas. Sei disso porque escrevi por diversas vezes La luna, mas isto é uma espécie de símbolo que eu fazia.) Bem, eu pensava que tudo tinha de ser definido e que não podiam ser usadas frases com fórmulas comuns. Eu nunca teria dito; fulano de tal entrou e sentou-se, porque isso era demasiado simples e demasiado fácil. Pensei que tinha de encontrar uma forma interessante de o dizer. Agora, descobri que esse tipo de coisas, em geral, é um aborrecimento para o leitor. Mas julgo que a raiz da questão reside no facto de que quando um escritor é jovem sente, de certa forma, que aquilo que vai dizer é bastante tolo ou óbvio, um lugar-comum, e por isso tenta escondê-lo sob uma ornamentação barroca; ou, se não for isso, caso ele se mostre moderno, faz o contrário: põe-se permanentemente a inventar palavras ou a referir-se a aviões, a comboios ou ao telégrafo e ao telefone porque está a fazer tudo o que pode para ser moderno. Depois, à medida que o tempo passa, sentimos que as nossas ideias, boas ou más, devem tentar passar essa ideia ou esse sentimento ou esse estado de espírito para o leitor. Se, ao mesmo tempo, estamos a tentar ser, digamos, um Sir Thomas Browne ou um Ezra Pound, então é impossível. Por isso acho que um escritor começa sempre por ser demasiado complicado – está a jogar diversas partidas em simultâneo. Quer proporcionar um determinado estado de espírito; ao mesmo tempo tem de ser contemporâneo, e se não for contemporâneo, então é um reaccionário e um clássico. Quanto ao vocabulário, a primeira coisa que um jovem escritor decide fazer, pelo menos neste país, é mostrar aos seus leitores que possui um dicionário, que conhece todos os sinónimos de uma palavra […]

Jorge Luis Borges em Entrevistas da Paris Review

(Do ótimo Pó dos Livros.)

5 comentários:

Pedrita disse...

genial. beijos, pedrita

Samara L. disse...

Amigo, sinto falta de conversar? Por acaso você usa aquela ferramenta infernal comedora de tempo chamada MSN? Se usar, me adicione: samarawild@terra.com.br (email que não mais existe, só como login desse troço mesmo) ou a gente se comunica por email mais tarde (samara.leonel@gmail.com - o que funciona).
Beijos.

Pedrita disse...

rodrigo, mencionei o seu blog no texto do livro a primeira mulher, q comprei graças a sua indicação do estante virtual. beijos, pedrita

Luis Narval disse...

Mas o oposto também é verdadeiro. Reduzir o léxico a seu "mínimo múltiplo comum", com a intenção de tornar o enunciado transparente e imediatamente acessível a toda e qualquer mentalidade configura um equívoco. Na expressão literária (e é a essa que se refere Borges),desde que haja invenção, não simples pirotecnia vazia, sempre haverá lugar para as ousadias estilísticas, para aquilo que alcance provocar, com maior efetividade, o necessário estranhamento. Embora, particularmente, prefira o tom claro, sóbrio e vertiginoso como uma estocada seca, direta no coração de um Tolstói, de um Tchekhov e, em menor medida, do próprio Borges.

digo disse...

Sem dúvida, meu caro Luís, sem dúvida.