Quando não há retorno
Um homem caminha perdido entre as ruelas de uma cidade do Bahrein. Foi o ponto máximo ao qual ele conseguiu chegar em termos de estranheza. Ele veste uma longa túnica branca e caminha impassível entre a multidão que vocifera. Mais alto que a maioria das pessoas, ele vê as cabecinhas agitando-se por milhares de coisas banais. Não está somente acima delas, mas além: os passos lentos, o olhar que cruza o oceano de inútil azáfama, os braços e seus movimentos quase imperceptíveis. Então se lembra de Kit, a heroína de O céu que nos protege, que há muitos anos ensinou-lhe a terrível lição: "De um certo ponto em diante não há retorno; este é o ponto a ser alcançado". Em sua irremediável solidão, sabe que lhe restaram os livros e sua consciência, sua lucidez, e recorda-se do dedo de seu pai, o indicador, com o qual ele batia contra a própria testa, repetindo: – O que você tem aqui dentro, ninguém pode arrancar. E essa imagem o faz lembrar da citação tantas vezes relida, que resume a verdade capaz de lhe conceder equilíbrio: "Sempre que tiver alguma coisa no espírito, seja uma reflexão torturante, a dor pela morte de um amigo, o amor não correspondido, o orgulho ferido, o ressentimento pela falsidade de alguém que lhe devia ser grato, enfim, qualquer emoção ou qualquer idéia obcecante, basta-lhe reduzi-la a preto-e-branco, usando-a como assunto de uma história ou enfeite de um ensaio, para esquecê-la de todo. Ele é o único homem livre". O homem segue seu caminho. Não está mais no Bahrein. Pode estar em qualquer ponto da Terra. Está vivo – ainda caminha acima e além da maioria. E sabe que precisa escrever.
2 comentários:
Muito interessante a revista. Otima dica.
Prezado Jurandir: você, certamente, se refere ao post acima, sobre a Revista Sibila. De fato, entre as poucas opções de revistas e jornais dedicados à literatura no Brasil, Sibila está entre as melhores. Obrigado por sua visita!
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