Quando li Crime e castigo a primeira vez, estava absorvido
por múltiplas e desordenadas leituras, tinha uma compreensão maniqueísta da
existência, Vladimir Ilitch Lenin acabara de surgir no meu horizonte como a
figura perfeita do herói, a desagregação existencial que Antonio Callado mostra
em Quarup parecia-me inata à condição
humana e, meses mais tarde, eu me aventuraria numa viagem confusa e
decepcionante à Bahia, disposto a recomeçar minha vida em alguma comunidade paupérrima
que, acreditava, me apresentaria o verdadeiro
Brasil.
Como descobri
muito tempo depois, todos nós temos o pleno direito de sermos idiotas aos dezessete,
vinte anos. E exerci esse direito plenamente, inclusive no que se refere às
minhas leituras.
É uma pena que
eu não tenha mais aquela edição de Crime
e castigo, na qual anotei com sofreguidão, nas últimas páginas, elaboradas ofensas
a Dostoiévski, criticando-o por permitir que seu personagem alcançasse a
redenção. E como detestei Raskólnikov quando ele se lançou aos pés de Sônia,
derrotado pelo amor. “Não, não, não!” – meu cérebro gritava, apegando-se a um niilismo
infantil.
Duas décadas se passaram
até que eu relesse o romance, agora de maneira quase febril, exaltado pela
narrativa, negando-me, desde a primeira página, a qualquer tipo de
distanciamento crítico. Eu desejava ler pelo prazer de ler.
Se havia algum resquício do
jovem da primeira leitura, ele morreu ali, página a página, até chegar ao
Epílogo, quando foi definitivamente sepultado. Nunca agradeci tanto a um
escritor. A redenção de Raskólnikov era a minha redenção. Se aquele assassino
podia zerar o passado e reiniciar a vida, então também para mim – e para todos
– o recomeço seria possível. E a pena de sete anos, diante da paz interior
finalmente encontrada, era uma insignificância.
Em abril de 2013 – ou seja, quase duas décadas
depois dessa última leitura –, uma amiga, Lorena Miranda Cutlak, analisou com agudeza
o Epílogo do romance. Ali está tudo o que eu gostaria de escrever. Ali está, esmiuçada,
a dívida que temos com Raskólnikov.
Um comentário:
Este post me deu uma enorme vontade (que por certo se transformará em decisão) de reler "Crime e Castigo".
Obrigado por compartilhar, Rodrigo Gurgel!
Abraço fraterno,
Beto.
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