março 24, 2014

Um nada em grande azáfama

“Dai testemunho: estive presente; embora ninguém me reconhecesse” — assim termina a tragédia Der Trun (A Torre), de 1925, um dos últimos trabalhos de Hugo von Hofmannsthal, importante escritor do final do século XIX e princípio do XX, evidentemente desconhecido no Brasil. Para Otto Maria Carpeaux, um “intérprete poético” dos séculos XVII e XVIII, a chamada “civilização austríaco-barroca”, cujos valores ele recuperou para “opor ao caos de uma época demoníaca, depois da derrota e desmembramento da Áustria em 1918, um cosmos poético e hierarquicamente organizado conforme os valores do espírito”.

Os trechos a seguir pertencem a Buch der Freunde (Livro dos Amigos), publicado em 1922, em que Hofmannsthal reúne pensamentos e aforismos escritos ou copiados desde sua adolescência:

– Os modernos escritores psicológicos aprofundam o que não devia ser considerado e tratam superficialmente o que precisava ser tratado em profundidade.

– O narrador comum narra como algo poderia acontecer acidentalmente. O bom narrador faz acontecer algo no momento atual diante dos nossos olhos. O mestre narra como se acontecesse de novo algo há muito acontecido.

– No nível mais elevado da arte reina nudez, autodesnudação, o seu contrapeso é a maior seriedade, plena capacidade de realização. Onde este estado é intermitente e se pisca o olho para fora, o que existe é impudência.

– Cada palavra pronunciada supõe o ouvinte, cada palavra escrita o leitor: criar também este é a parte encoberta, mas a mais importante da ação do escritor.

– A maior parte das pessoas, ao entregarem-se às chamadas ocupações intelectuais, considerando como tais o ler e o escrever (não o escrever cartas, mas o escrever como autor), não fazem de modo algum o que julgam fazer: porque nem embelezam a sua cultura – “ampliar” a sua cultura, como se costuma dizer, é um disparate horroroso – nem aguçam o seu entendimento, nem enriquecem a sua experiência, e não produzem mais nem nada mais importante que aqueles que remexem a terra à beira de um charco, deitam pedras para a água turva, etc., em suma, um nada em grande azáfama.

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