A crítica literária de José Maria Guelbenzu tem, dentre várias qualidades, a de ser isenta do artificialismo que, cada vez mais, contamina parcela significativa de seus colegas brasileiros. Entre nós, tornou-se um hábito saturar o texto crítico com a terminologia estruturalista, abusar dos academicismos, como se esses vocábulos, completamente distantes dos leitores de jornal, pudessem acrescentar algum significado etéreo, inusitado ou surpreendente ao texto literário. Na verdade, não passam de pedantismos, transformando o texto que deveria esclarecer numa selva fechada, impenetrável ao leitor comum, algaravia que, às vezes, serve para esconder a pusilanimidade de julgar.
Vejam, por exemplo, o texto de Guelbenzu deste sábado, no Babelia, em que ele fala sobre o Anna Kariênina: transparência, objetividade. Não, o crítico não diminui suas ideias, não as torna fáceis apenas para ser lido por muitos, mas explicita seu julgamento com clareza. O leitor informado percebe, nos alicerces, todo o aparato crítico contemporâneo, os avanços e retrocessos da ciência da linguagem, mas ninguém precisará recorrer a um dicionário – e, chegando ao final, somos recompensados: sabemos exatamente o que Guelbenzu quis dizer, o texto não turvou nossa compreensão; ao contrário, nos aproximou ainda mais do universo de Tolstói.
Leiam. O texto flui. O sentimento de intimidade é tão grande, que parece estar escrito em português.
março 27, 2010
março 20, 2010
Advertência aos defensores da liberdade
Roberto Romano, com sua habitual lucidez, escreve no Estadão sobre “os cosméticos que tombam da face governamental”. A fala dogmática do PT, maquiada pelo marketing político nos últimos anos, começa, de fato, a reaparecer, e o professor de Ética da Unicamp lembra que as afirmações do cínico nº 1 do país, feitas em 1986, continuam atuais, corroboradas pelos recentes discursos ridicularizando os presos políticos da ditadura cubana e pelas conferências, ditas “populares”, sobre a cultura e os meios de comunicação. Voltam, assim, à tona, aquelas perigosas e temerárias palavras: “a liberdade individual está subordinada à liberdade coletiva. Na medida em que você cria parâmetros aceitos pela coletividade, o individualismo desaparece. Ou seja, não há razão para a defesa da liberdade individual”.
Pensamento herdeiro da pior e da mais criminosa cepa esquerdista, esse que pretende submeter a liberdade individual a certa imaginária “coletividade”, palavrinha sob a qual nós – os que não se entregam ao sono da consciência e permanecem vigilantes – sabemos muito bem que, semelhante ao lobo fantasiado de cordeiro, se esconde outra, adorada pelos totalitaristas: Estado.
É o que a esquerda quer: garrotear a imprensa, submeter as manifestações culturais à pauta censória do politicamente correto, ditar os rumos da pesquisa científica (vejam-se, por exemplo, os critérios tácitos seguidos hoje pelo CNPq para concessão de bolsas na área de Humanas) e, passo a passo, controlar cada escaninho do país. Roberto Romano está certo: as falas do presidente da República devem servir como advertência àqueles que amam e defendem a verdadeira liberdade.
Pensamento herdeiro da pior e da mais criminosa cepa esquerdista, esse que pretende submeter a liberdade individual a certa imaginária “coletividade”, palavrinha sob a qual nós – os que não se entregam ao sono da consciência e permanecem vigilantes – sabemos muito bem que, semelhante ao lobo fantasiado de cordeiro, se esconde outra, adorada pelos totalitaristas: Estado.
É o que a esquerda quer: garrotear a imprensa, submeter as manifestações culturais à pauta censória do politicamente correto, ditar os rumos da pesquisa científica (vejam-se, por exemplo, os critérios tácitos seguidos hoje pelo CNPq para concessão de bolsas na área de Humanas) e, passo a passo, controlar cada escaninho do país. Roberto Romano está certo: as falas do presidente da República devem servir como advertência àqueles que amam e defendem a verdadeira liberdade.
março 19, 2010
Poetão ou poetinha?
Demolidora, para dizer o mínimo, a crítica de Luis Dolhnikoff ao livro Esquimó, de Fabrício Corsaletti, publicada na Revista Sibila. As conclusões de Dolhnikoff são bem-humoradas e devastadoras: "Um meninão brincalhão e espertalhão, que ao notar o pote da geleia geral a transbordar e a lambuzar a estreita prateleira da poesia, meio esquecida na parte menos luminosa da cozinha bagunçada da arte brasileira, foi lá e meteu sua colherzinha".
Ao que parece, somos, eu e Dolhnikoff, as únicas vozes que ousam divergir do prematuro e irresponsável consenso que se formou em torno dos livrinhos, em prosa e verso, de Corsaletti. Para os que se interessarem, analiso a prosa do "poetinha", como a Folha de S. Paulo o qualificou em fevereiro deste ano, no texto "A pequena alegria de Corsaletti", também na Revista Sibila.
Ao que parece, somos, eu e Dolhnikoff, as únicas vozes que ousam divergir do prematuro e irresponsável consenso que se formou em torno dos livrinhos, em prosa e verso, de Corsaletti. Para os que se interessarem, analiso a prosa do "poetinha", como a Folha de S. Paulo o qualificou em fevereiro deste ano, no texto "A pequena alegria de Corsaletti", também na Revista Sibila.
março 14, 2010
O hábito da infâmia
O magnífico e corajoso artigo do escritor Antonio Muñoz Molina, publicado na edição de ontem do Babelia, é um verdadeiro repto. Depois de uma semana sem ler, afastado dos meus prazeres por uma cirurgia que me deixará de cama por cerca de um mês, o artigo de Muñoz Molina produz efeitos semelhantes aos de uma exitosa antibioterapia. Deveria ser inoculado nos intelectuais brasileiros que silenciam diante das atrocidades cometidas pelo regime cubano e pactuam com os discursos insultuosos de Lula. Discursos, aliás, que, repletos de ironia vulgar, não passam de exemplos da pior logorreia.
"Yo pensaba que ser de izquierdas era estar a favor de la igualdad justiciera de los seres humanos, del derecho de cada uno a vivir soberanamente su vida. No imaginaba que duraría tanto la costumbre estalinista de injuriar a los perseguidos y a los asesinados." (Antonio Muñoz Molina)
"Yo pensaba que ser de izquierdas era estar a favor de la igualdad justiciera de los seres humanos, del derecho de cada uno a vivir soberanamente su vida. No imaginaba que duraría tanto la costumbre estalinista de injuriar a los perseguidos y a los asesinados." (Antonio Muñoz Molina)
março 05, 2010
Os pecados de Wilson Martins
Em artigo publicado no Rascunho deste mês e no site do Instituto Millenium, falo sobre Wilson Martins, esse nobre (no sentido que Ortega y Gasset dá à palavra) intelectual que, dentre outras inúmeras qualidades, se recusou a seguir modismos, não era paternal, não silenciava diante de erros e omissões – e não se fazia de cego ou surdo quando discordava dos supostos mandarins da literatura brasileira.
março 04, 2010
Tzvetan Todorov e Wilson Martins
Tzvetan Todorov, em entrevista publicada na Bravo! deste mês, nos presenteia com ideias lúcidas, infelizmente desprezadas pela maioria dos acadêmicos e críticos literários brasileiros:
“O bom crítico – e também o bom professor – deveria recorrer a toda sorte de ferramentas para desvendar o sentido da obra literária, de maneira ampla. Esses instrumentos são conhecimentos históricos, conhecimentos linguísticos, análise formal, análise do contexto social, teoria psicológica. São todos bem-vindos, desde que obedeçam à condição essencial de estar submetidos à pesquisa do sentido, fugindo da análise gratuita”.
Diante dessa visão equilibrada – para a qual Todorov evoluiu depois de superar sua adesão irrestrita ao estruturalismo –, lembrei-me de Wilson Martins, que defendia pontos de vista semelhantes e que, ao fazer crítica literária, sempre rejeitou o que chamava de “monismo de julgamento”, afirmando que a crítica jamais poderia se “confinar nos princípios e métodos de uma determinada família espiritual, mas exigiria, ao contrário, a contribuição simultânea de todas elas”.
Wilson Martins pagou um alto preço por caminhar na contramão dos modismos que, no Brasil, a maioria segue sem refletir. Mas, vejam que ironia, Todorov, antes um monista, veio ao seu encontro.
“O bom crítico – e também o bom professor – deveria recorrer a toda sorte de ferramentas para desvendar o sentido da obra literária, de maneira ampla. Esses instrumentos são conhecimentos históricos, conhecimentos linguísticos, análise formal, análise do contexto social, teoria psicológica. São todos bem-vindos, desde que obedeçam à condição essencial de estar submetidos à pesquisa do sentido, fugindo da análise gratuita”.
Diante dessa visão equilibrada – para a qual Todorov evoluiu depois de superar sua adesão irrestrita ao estruturalismo –, lembrei-me de Wilson Martins, que defendia pontos de vista semelhantes e que, ao fazer crítica literária, sempre rejeitou o que chamava de “monismo de julgamento”, afirmando que a crítica jamais poderia se “confinar nos princípios e métodos de uma determinada família espiritual, mas exigiria, ao contrário, a contribuição simultânea de todas elas”.
Wilson Martins pagou um alto preço por caminhar na contramão dos modismos que, no Brasil, a maioria segue sem refletir. Mas, vejam que ironia, Todorov, antes um monista, veio ao seu encontro.
março 03, 2010
Três verdades em sete minutos
É uma pena que a TV Estadão não tenha disponibilizado a íntegra da palestra de Leopoldo Bernucci realizada no evento “Euclides da Cunha 360º”, em agosto de 2009.
Bernucci, que é professor de Literatura Latino-Americana na Universidade da Califórnia e autor de três obras fundamentais sobre Euclides da Cunha – a edição comentada de Os Sertões (Editora Ateliê/Imprensa Oficial do Estado), A imitação dos sentidos (Edusp) e, ao lado de Francisco Foot Hardmann, a edição da Poesia reunida (Unesp) –, toca, no pequeno trecho a que podemos assistir, em três questões fundamentais:
1. Salienta a importância de se ler a obra, mas também de se conhecer o homem, a biografia, retirando (os comentários a seguir são meus) os estudos literários da influência nefasta do estruturalismo – que, além de outros pecados, se pretende exclusivo, superior às demais escolas de interpretação e portador da única chave possível para se analisar e compreender não só o texto, mas todas as formas de linguagem e a própria vida.
2. Ainda que não cite nomes, alerta para o fato de que, nos últimos anos, as leituras da obra euclidiana estão como que fossilizadas, pois excessivamente laudativas, capazes somente de coroá-la com jaculatórias.
3. E, finalmente, cita um aspecto curioso, para dizer o mínimo, do nosso país, no qual se cultua um autor controverso – ou seja, que, ao invés de ser endeusado, deveria ser debatido –, prática, certamente, fruto de uma cultura em que não se aprende a ler de maneira compenetrada e crítica, na qual o fascínio pela palavra escrita se sobrepõe à sua compreensão. Um país estrambótico (adjetivo meu) no qual há mais editoras que livrarias.
Vale a pena acompanhar, atentamente, a fala de Bernucci.
Bernucci, que é professor de Literatura Latino-Americana na Universidade da Califórnia e autor de três obras fundamentais sobre Euclides da Cunha – a edição comentada de Os Sertões (Editora Ateliê/Imprensa Oficial do Estado), A imitação dos sentidos (Edusp) e, ao lado de Francisco Foot Hardmann, a edição da Poesia reunida (Unesp) –, toca, no pequeno trecho a que podemos assistir, em três questões fundamentais:
1. Salienta a importância de se ler a obra, mas também de se conhecer o homem, a biografia, retirando (os comentários a seguir são meus) os estudos literários da influência nefasta do estruturalismo – que, além de outros pecados, se pretende exclusivo, superior às demais escolas de interpretação e portador da única chave possível para se analisar e compreender não só o texto, mas todas as formas de linguagem e a própria vida.
2. Ainda que não cite nomes, alerta para o fato de que, nos últimos anos, as leituras da obra euclidiana estão como que fossilizadas, pois excessivamente laudativas, capazes somente de coroá-la com jaculatórias.
3. E, finalmente, cita um aspecto curioso, para dizer o mínimo, do nosso país, no qual se cultua um autor controverso – ou seja, que, ao invés de ser endeusado, deveria ser debatido –, prática, certamente, fruto de uma cultura em que não se aprende a ler de maneira compenetrada e crítica, na qual o fascínio pela palavra escrita se sobrepõe à sua compreensão. Um país estrambótico (adjetivo meu) no qual há mais editoras que livrarias.
Vale a pena acompanhar, atentamente, a fala de Bernucci.