junho 10, 2014

Camões e Flaubert: amor mais longo que a vida

O tempo que o amor exige não conhece medida. O soneto de Camões evoca a inesgotabilidade do amor verdadeiro – e a consequente resignação ao objeto desejado, a paciência que supera limites. Não importa que Raquel almejamos. Muito menos, que forma assume Labão em nossa história.

Relemos a correspondência de Flaubert e lá está Jacó, debatendo-se por Raquel, servindo Labão como infatigável operário. “É preciso uma vontade sobre-humana para escrever e eu sou apenas um homem”, ele diz, trabalhando sete horas por dia; e, ao fim de um mês, enganado, produz apenas vinte páginas.

Não é o amor de Jacó, disposto a servir mais sete anos, que Flaubert carrega? “Eu gosto do meu trabalho com um amor frenético e pervertido, como um asceta do cilício que lhe arranha o ventre.” E não se sujeitou a sacrifícios, não se humilharia ainda mais, “ se não fora para tão longo amor tão curta a vida”?

Tal amor, sempre a um passo da obsessão, mostra-se, o soneto não conta, às vezes infértil. Em maio de 1852, Flaubert diz sentir-se “estéril como uma pedra”. Na história de Raquel e Jacó, o filho nasce depois de longa insistência. Será o favorito, José, mas a fala de Raquel não esconde o alívio: “Deus tirou o meu opróbrio”. Flaubert, contudo, não se permitiu o contentamento – sabia que “a palavra humana é como um caldeirão rachado, no qual batemos melodias próprias para fazer dançar os ursos, quando desejaríamos enternecer as estrelas”.

No fim, diante da obra terminada ou do filho, o que resta, senão amor? Amor que Camões adivinhou sob a plenitude, a totalidade do número 7. Amor mais longo que a vida.

2 comentários:

  1. Julgo que é: "Passava, contentando-se com vê-la" - e não "contendo-se".

    Belíssimo poema, de resto.

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  2. Uma terrível comida de bola do revisor, Margarida, sem dúvida. Aliás, curiosa, pois a edição, publicada pela Cultrix aqui no Brasil, tem seleção, prefácio e notas do Prof. Massaud Moisés. Como diria minha avó, acontece nas melhores famílias...

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