a História não é necessariamente um
caminho ascendente (em direção ao mais rico, ao mais culto), [...] as
exigências da arte podem estar em contradição com as exigências do dia (dessa
ou daquela modernidade) e [...] o novo (o único, o inimitável, o que nunca foi
dito) pode ser encontrado numa direção diferente daquela traçada por aquilo que
todo mundo sente como progresso. Com efeito, Bach pôde ler na arte dos seus
contemporâneos e dos mais jovens do que ele um futuro que deveria parecer, a
seus olhos, uma queda.
prezado Rodrigo:
ResponderExcluirsoube do lançamento do seu livro e, malandramente, fui ler de graça no rascunho on-line... Lá, deparei-me com sua resenha sobre o Coelho Netto, admirei-me de alguns trechos pinçados e não quis mais prosseguir - quis ler o Coelho mesmo, na íntegra num de seus livros.
Isto foi ontem; hoje, passei num sebo e depois de namorar alguns exemplares, comprei um "Banzo" amarelado e corroído, do qual já li os três primeiros contos.
Estou muito impressionado com a força descritiva do homem, nas paisagens e ações dos personagens. É ver o caboclo tal e qual, com seus trejeitos e manias, como atores interpretando a história na nossa frente. Ele não deixa para o leitor adivinhar, preencher os buracos, nem submete uma cena a figuras que terminam por escondê-la (no trecho que você escolheu, da morte da tísica, Jorge Amado diria talvez que "a doença devorava a velha", sem se dar ao trabalho de, como Coelho magistralmente faz, escolher com precisão as palavras que darão a impressão física de estar assistindo o evento em tempo real, como no "abria-se-lhe a boca imensa e o ar entrava de raspão como se fosse rompendo passagem".
Essa impressionante habilidade pictórica me lembra Bilac, com suas grandes descrições de rios e selvas que não atendem somente aos ideais estéticos do "príncipe dos poetas", mas também conseguem recriar selvas e riachos com precisão no espírito do leitor.
O pouco que li de "Banzo" até agora é muito, muito bom. É a melhor coisa que já li em prosa caipira esteticamente recriada (suplanta, não sei se estou sendo precipitado, Valdomiro Silveira, Cornélio Pires e o próprio Lobato), é um observador atento e um "cineasta" muito verossímil.
Obrigado por ter me apresentado Coelho Netto - o mínimo que posso fazer em reconhecimento é adquirir o seu livro, com muito prazer.
um abraço, joão spacca
Meu caro Spacca:
ResponderExcluirObrigado pelo comentário.
Só posso dizer que Coelho Neto é tudo isso e muito mais. E que, portanto, a injustiça que cometem contra ele não tem tamanho.
Quanto à sua comparação Jorge Amado/Coelho Neto, ela exemplifica bem não só as diferenças entre esses autores, mas o caminho que parte da literatura nacional escolheu, do mais fácil, de condenar o leitor a ter, ele mesmo, de inventar a história, tantas são as lacunas deixadas pelo escritor.
Fico feliz que você tenha descoberto mais um grande escritor. E, quem sabe, ainda teremos a alegria de ver algumas das histórias de Coelho Neto retratadas pelo traço admirável do grande Spacca!
Forte abraço,
Rodrigo
P.S.: Quando tiver a data do lançamento do livro, aviso você. Será um prazer assinar o seu exemplar.
avise sim, por favor. Meu email é spacca@terra.com.br .
ResponderExcluire é mesmo muito convidativo ilustrar o já cinematográfico Coelho. O primeiro, do velho ex-escravo, já é um roteiro "redondo".
Um autor que estudei no início dos anos 90 foi o João Felício dos Santos (Ganga Zumba, Major Calabar, Cristo de Lama etc). Meu interesse era aprender a recriar imaginativamente cenários do Brasil colonial, e me parecia que o João Felício foi muito feliz nisso. Também li memórias de viajantes, cartas jesuíticas e outros documentos. Mas essas fontes, embora preciosas, carecem de literatura, no sentido que o professor Olavo aponta, a imitação da experiência, a recriação da vida.
O João Felício, se não me engano, teve uma profissão como engenheiro agrônomo, viajava por todo o país, e era um grande observador de pessoas, sotaques e costumes. Então suas recriações históricas têm um sabor convincente.
Como meu trabalho tem sido recontar acontecimentos históricos ou adaptar literatura para HQ, obrigatoriamente preciso "encenar" as cenas, reconstituir sua presença sensível, colocar em cena os agentes e elementos necessários para que ela se produza. Por exemplo, se quero ilustrar que "Napoleão deu um ultimato a D.João", preciso descobrir ou imaginar se Napoleão estava ditando uma carta a seu secretário, se ele dá instruções a seu diplomata, se D.João se reúne com seus ministros em uma mesa ou se estes estão de pé na sala do trono... De certa forma, isto ajuda a evitar e detectar abstracionismos: "tridimensionaliza" a narrativa verbal, dá concretude.
Talvez esta minha abordagem seja meio utilitarista, voltada para os meus fins mais imediatos, e não seja uma régua para julgar qualquer literatura; mas é o que me agradou muito no Coelho Netto.
Os períodos longos, que requerem habilidade e bom ouvido para que resultem claros e eufônicos, também produzem a sensação de simultaneidade - como quando estamos diante de um quadro em que várias coisas se dão ao observador simultaneamente. Isto, a técnica ou cacoete moderno de escrita do best-seller perde completamente: alguém ensinou os novos escritores a escrever frases de três palavras e ponto, como se com isso estivessem imitando os cortes do cinema - como se o cinema fosse exclusivamente montagem (aposto que é isso mesmo o que ensinam, inspirados em Eisenstein). Mas o cinema, antes de ser montagem, é teatro filmado, e teatro é ator em cena, é vida em miniatura e quadros observáveis. Por isso a simultaneidade e as longas descrições não deveriam ser esquecidas pela arte literária (e reservar as frases curtas para ações rápidas ou outras experiências que fiquem bem representadas com esse recurso - lembro de certos sonetos de Bilac composto de várias frases de uma palavra só, que esticam o tempo e causam um belo efeito).
É isso, boa sorte e grande abraço, sp
Caro Spacca: escrevo sobre o Joaquim Felício dos Santos em meu livro. Falo sobre a obra "Memórias do Distrito Diamantino", que você vai gostar de ler. Principalmente as histórias dos grandes bandidos da época, como João da Costa, Inácio Martins e José Basílio de Sousa. É obra que se pretende crônica histórica, mas acaba fazendo ficção. O livro tem passagens incríveis, que certamente inspirarão você.
ResponderExcluirConcordo plenamente com suas observações sobre a tentativa, frustrada, da literatura copiar (mal) o cinema. E quando vc fala de Bilac, lembro imediatamente do belíssimo soneto "Vila Rica", magnífico!
Boa semana e grande abraço!
Isso, o Joaquim Felício era tio do João. João Felício faz uma ponta no filme Chica da Silva, baseado em sua obra, em que ele interpreta um padre que vive com um lenço na boca. Já era velhinho, careca de longos cabelos brancos no rodapé da cabeça.
ResponderExcluirO Joaquim faz parte do meu "banco de autores" (assim como Taunay), só não li ainda porque a maioria das minhas leituras é atrelada aos meus projeto, e eles me tomam muito tempo - deixei para ler quando estivesse tratando do período áureo mineiro. Nesta atividade, tive o prazer de conhecer o Oliveira Lima de "D.João VI no Brasil", que me encantou pelos períodos bem concatenados e musicais.
Assisti ao início da sua palestra ontem, mas parei para jantar com a família; terminarei de assistir, quando for veiculada no Youtube.
Depois que fiz o comentário sobre o Coelho Netto, revi uns trechos das "Maluquices do Imperador" do Paulo Setúbal (estou biografando a família Setúbal para um especial sobre o banco). Ora, o Paulo é o contrário do Coelho Netto: é retórico, meio artificial e superficial - mas é muito bom! Muito habilidoso em sua arte específica, de orador de saraus. Vemos mais a figura do prosador conversando conosco, do que a cena pintada. Nem isso temos mais.
Boa semana e grande abraço, sp
Muito interessante esse seu processo de releitura, meu caro Spacca. Não sabia sobre o sobrinho do Joaquim Felício... É curioso que o episódio sobre a Chica da Silva tenha se tornado o mais famoso do livro, pois há outros, incluindo os que citei no meu comentário anterior, que são muito melhores! Forte abraço!
ResponderExcluirFico pensando, e se a literatura brasileira tivesse seguido este caminho, o de coelho neto, em vez de optar pelas facilidades modernistas, seguido com críticas mais consistentes.É verdade o coelho neto tem certa propensão por retórica de mal gosto, e sim o perdeu muito com o uso excessivo dos adjetivos, mas com tanta qualidade alguns defeitos são perdoáveis. Se os modernistas quisessem o bem da literatura teriam tentado supera-lo, não renovar nada, os únicos autênticos modernistas foram Lima Barreto e Monteiro lobato.
ResponderExcluirSe tivéssemos ido por outro caminho, alguns de nossos literatos já teriam um Nóbel, inventado etilos de modo autêntico, e quem sabe mais originais que a trinca russa
Sou entusiasta da obra de Coelho Netto...não nasci mas fui criada em Caxias-MA, desde a graduação me inspirei em seus textos e resolvi resgatar na memória do povo caxiense seus textos. Aqui só se fala em Gonçalves Dias, com mérito, mas se esquecem de um Coelho Netto. Fiz minha monografia sobre CN, e agora minha tese intenta compilar, anotar e analisar computacionalmente (Linguística de Corpus) os mais destacados textos de CN: A Conquista, Turbilhão, e 3 contos de Sertão. Tudo será brevemente disponível na web...tanto para estudos literários (acesso aos textos) quanto estudos linguísticos.
ResponderExcluirInteressei-me pelo livro que você publicou, e tenho interesse em adquiri-lo. Louvo o fato de você dar a devida importância a este escritor, coisa que poucos por aqui o fazem.
Um abraço
Obrigado, Francimary! Avise-me quando seu trabalho estiver na Web.
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