maio 24, 2011

Cardeal Gianfranco Ravasi: “Superar uma comunicação unidirecional”

O encontro mundial de blogueiros – Vatican Meeting Blog –, realizado pelos Pontifícios Conselhos para a Comunicação Social e para a Cultura no último dia 2 de maio, em Roma, continua a dar frutos. Os 150 blogueiros reunidos à sombra do Vaticano, selecionados entre mais de 750 inscritos (este blogueiro, apesar de escolhido, infelizmente não pôde comparecer), ainda repercutem os resultados das discussões do evento que, apesar da curta duração, promete se tornar um marco na história das relações entre a Santa Sé e a comunicação que se desenvolve na Web.

A mais importante reflexão elaborada até o momento veio à luz no L’Osservatore Romano de 22 de maio: um artigo do cardeal Gianfranco Ravasi, que ocupa hoje a presidência do Pontifício Conselho para a Cultura e das Comissões Pontifícias para os Bens Culturais da Igreja e de Arqueologia Sacra. Faço um parêntese aqui: o cardeal Ravasi foi, durante anos, professor de exegese bíblica, membro da Pontifícia Comissão Bíblica e prefeito da Biblioteca Ambrosiana, uma das mais importantes da Europa. Autor de inúmeras obras entre elas, um monumental comentário do Livro dos Salmos (Il Libro dei Salmi), em três volumes, já em sua 10ª edição , dele temos, no Brasil, só um livro: o pequeno mas precioso Interpretar a Bíblia (Editora Ave-Maria). Esse descuido não é surpreendente num país que privilegia lançamentos editoriais católicos pouco ortodoxos ou francamente ligados à condenada Teologia da Libertação, mas o eclesiástico hoje responsável por uma das iniciativas mais importantes da Santa Sé, o Átrio dos Gentios, sobre o qual já falamos aqui, merece ter sua obra traduzida, com urgência, em língua portuguesa.

O cardeal começa seu artigo recordando McLuhan – fala da injusta e banal simplificação da famosa frase “O meio é a mensagem” – e observa como o desenvolvimento tecnológico, nas últimas décadas, fez com que “a comunicação deixasse de ser um instrumento semelhante a uma prótese, passando a ocorrer num ambiente total, numa atmosfera global que envolve e penetra tudo e todos”. E um dos “emblemas mais significativos dessa rede de comunicação é o blog”.

Para o exegeta, a web é, hoje, “um mundo incandescente, portador dos aspectos mais criativos da capacidade humana – mas, ao mesmo tempo, destinado a englobar as contradições e, inclusive, a possível degeneração do pensamento e da cultura”.

Com sensibilidade e equilíbrio, o cardeal desenvolve seu pensamento: “Podemos dizer que nos encontramos em novos espaços e novas catedrais – espaços virtuais, é claro, mas habitados por pessoas que se comunicam, exprimem ideias, contam histórias, propõem interrogações e aguardam por respostas. Não podemos, portanto, evitar este pedido de diálogo, levando-se em conta que a exigência nasce de um mundo fluido, complexo, articulado e em permanente palpitação”.

Demonstrando a abertura e o interesse da Santa Sé em compreender o novo mapa da comunicação, o cardeal afirma que “a Igreja precisa decifrar a mentalidade, a cultura e a filosofia que anima os blogueiros, para que seja capaz de uma nova evangelização, de incidir na opinião pública, tornando-se interativa e não ancorada apenas na comunicação em forma de pirâmide, estranha à cultura do nosso tempo”.

“Deve-se superar uma comunicação unidirecional, sem possibilidade de diálogo e de troca, destinada a passar uma impressão de rigidez e autorreferência”, salienta o cardeal, apontando a importância de blogs e twitters na formação humana e cultural, capazes, segundo ele, de “prestar um importante serviço para o crescimento da comunidade humana no que diz respeito à democracia e ao diálogo”.

As conclusões do cardeal Ravasi sobre o Vatican Meeting Blog são otimistas: “Os espaços sacro e profano estão realizando uma nova modalidade de conexão, que inaugura um verdadeiro e peculiar Átrio dos Gentios em rede – e de possibilidades ilimitadas”. Para ele, o encontro segue aberto, ainda gerando frutos – “um encontro interminável enquanto a blogosfera estiver aberta à verdade e à palavra de Cristo”.

O Evangelho e a lógica da web

É impossível ler as palavras do cardeal Ravasi e não recordarmos a mensagem de Bento XVI para o próximo 5 de junho, 45º Dia Mundial das Comunicações Sociais. O papa diz que “existe um estilo cristão de presença também no mundo digital: traduz-se numa forma de comunicação honesta e aberta, responsável e respeitadora do outro. Comunicar o Evangelho através dos novos midia significa não só inserir conteúdos declaradamente religiosos nas plataformas dos diversos meios, mas também testemunhar com coerência, no próprio perfil digital e no modo de comunicar, escolhas, preferências, juízos que sejam profundamente coerentes com o Evangelho”.

Contudo, segundo as palavras de Bento XVI, devemos estar “particularmente atentos aos aspectos da mensagem evangélica que possam desafiar algumas das lógicas típicas da web. Antes de tudo, devemos estar cientes de que a verdade que procuramos partilhar não extrai o seu valor da sua ‘popularidade’ ou da quantidade de atenção que lhe é dada. Devemos esforçar-nos mais em dá-la conhecer na sua integridade do que em torná-la aceitável, talvez ‘mitigando-a’. Deve tornar-se alimento quotidiano e não atração de um momento. A verdade do Evangelho não é algo que possa ser objeto de consumo ou de fruição superficial, mas dom que requer uma resposta livre”. E completa o pontífice: “Mesmo se proclamada no espaço virtual da rede, a mensagem do Evangelho sempre exige ser encarnada no mundo real e dirigida aos rostos concretos dos irmãos e irmãs com quem partilhamos a vida diária”.

De fato, como tive a oportunidade de afirmar em recente entrevista, nosso dever, enquanto católicos conscientes, é não ter receio ou medo de anunciar a Verdade. Não podemos nos preocupar se a radicalidade do Evangelho não é exatamente a mensagem que a humanidade relativista quer ouvir. Não devemos nos preocupar com conversões em massa ou com estatísticas. Tenho de anunciar Cristo, mostrar a minha fé e tomar uma decisão que, como dizia o cardeal Joseph Ratzinger, “diz respeito a toda a estrutura da vida, repercute no meu âmago. É uma decisão relacionada com toda a orientação da minha própria existência: como vejo o mundo, como eu próprio quero ser e como hei de ser”.

2 comentários:

  1. Bom demais, Rodrigo. Muito.
    Tenho lido e tentado conversar com padres e leigos, sobre o caráter cada vez mais praxiológico da comunicação e de como se tem que enfrentar tal fato sem abrir mão das verdades fundamentais do cristianismo, que devem ser encarnadas, testemunhadas, a partir do serviço.

    Fiquei pensando que gostaria de ler, a partir da sua inteligência cortante e da lavra de sua afiada pena, uma reflexão sobre o que pode parecer um paradoxo no nosso tempo: a eficácia da pregação, estulta (1 Cor 1,21) como dizia o Apóstolo Paulo, frente ao testemunho possível e tecnológico, impessoal, na web.

    Vou esperar. Ansioso.

    Abraço em Cristo. Fortíssimo.
    Pedro, diácono pela misericórdia de Deus

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  2. Obrigado pelas boas palavras, meu caro Pedrinho! Vou escrever algo a respeito do que vc propõe. Fraternal abraço -- a vc e sua família!

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