Vamos imaginar uma situação excêntrica, sob todos os aspectos indesejável:
Você se inscreve numa
Oficina de Escrita Criativa e, no primeiro dia de aula, a professora — ela está
quase nos 50, mas ainda se veste como uma adolescente — entra na classe e começa a falar sobre Roland Barthes ou a respeito de algum estruturalista russo.
Você vai tomando notas,
sem entender direito o que está acontecendo, pois a professora é famosa, tem
dezenas de livros publicados.
Além disso, sua melhor
amiga — por quem você tem uma certa caída — está sentada ao seu lado. Ela
estuda Letras e, a cada afirmação da professora, sorri e move a cabeça de
maneira afirmativa.
A primeira hora parece
interminável — e ainda que você tenha anotado tudo, não entendeu nada.
Quando você está mais
perdido que cachorro em dia de mudança, a professora diz: “Bem… então, agora
que vimos as 31 funções de Vladimir Propp, vocês podem escolher algumas e
usá-las para escrever um texto breve, um conto que vamos discutir na próxima
aula. Vamos fazer um intervalo e, depois do café, voltamos para ver a questão
do ‘actante’ em Greimas”.
Meio perturbado, você levanta
da carteira. Sua amiga já correu para o lado da professora. E assim que você se
aproxima, nota que as duas conversam alegremente numa língua que só às vezes
parece português.
O mal-estar que você
experimenta nesse momento acende uma luz vermelha na sua cabeça e dispara uma sirene.
Por um simples motivo:
você sabe, ainda que de maneira intuitiva, que escritores não precisam de
teorias.
Não me consta que, antes
de escrever seus contos, Tchekhov tenha estudado teoria literária.
Ou que Machado de Assis
tenha, antes de começar a escrever, destrinçado a Poética de Aristóteles.
Teorias literárias,
sistemas e classificações servem, em primeiro lugar, a teóricos, acadêmicos e
críticos.
É verdade que alguns escritores,
depois de acumular experiência, escreveram ensaios teóricos — ou demonstraram,
em sua correspondência, em seus diários, idéias precisas sobre o que pretendiam
expressar ou atingir com seus textos.
Basta pensar, por exemplo,
nas cartas de Flaubert e Tchekhov — ou nos ensaios de Edgar Allan Poe e Julio
Cortázar.
Mas criar obedecendo
antecipadamente a uma teoria jamais foi a preocupação primeira desses autores.
Os vanguardistas de certo
modo fizeram isso: inventaram modelos e depois, acorrentados a seus manifestos,
tiveram de seguir produzindo de acordo com o esquema. Submeteram seu impulso
criador a uma coerência infantil e irresponsável. Poucos tiveram coragem de
buscar novos caminhos.
Mas os grandes escritores
obedecem, em primeiro lugar, a si próprios. E se buscam um modelo — e é bom que
o façam —, procuram-no entre os seus iguais, quase sempre aqueles que
consideram perfeitos.
Nada impede que o escritor
estude, conheça teorias — e seja, inclusive, professor de teoria literária.
O problema é colocar a
carroça na frente dos bois. O erro está em apresentar aos jovens uma teoria, um
modelo, e dizer que seguir esse sistema fará deles escritores.
É o mesmo que enfiá-los
numa camisa de força. Ou no estreito corredor de um matadouro.
A escrita deve ser livre.
Livre, inclusive, para ir contra a estética do seu tempo.
O escritor deve se sentir
livre para escrever como Madame de La Fayette ou — vamos ainda mais longe — como
Murasaki Shikibu. Deve ser livre para se inspirar nessas escritoras e,
gradativamente, formar seu próprio estilo.
Ao escrever, esqueça as
teorias estéticas.
O escritor deve ser livre
para bocejar diante de Barthes, para cair de sono depois de uma página de
Propp, para jogar no lixo os tratados de semiótica.
Em "Metafísica do Belo" Schopenhauer usa o exemplo de Van Gogh, se não me falha a memória: "Posso estudar todos os estilos e formas de pintura, mas nunca farei um quadro parecido com um de Gogh".
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