"A literatura nos ensina a observar" — James Wood |
Para que servem os
detalhes na literatura?
Eles não são
apenas o ponto de fuga de um cenário, para onde o olhar do personagem se desvia
a fim de descobrir um centro de equilíbrio. Ou o elemento que o escritor utiliza
para estabelecer um contraste com o restante do espaço e, assim, dar concretude
às proporções.
Estas são funções
importantes, sem dúvida, mas refiro-me a outro tipo de detalhe.
Falo daquele
detalhe que, segundo James Wood, quando usado na literatura, “faz com que nos
fixemos mais na vida”. Vida que, por sua vez, “nos faz melhores leitores dos detalhes na
literatura”.
Nessa
inter-relação entre vida e literatura, a segunda difere da primeira, pois,
segundo a correta observação de Wood, “a vida está repleta de detalhes
acumulados e raramente nos leva para eles, enquanto a literatura nos ensina a
observar.”
Quem leu Madame Bovary deve lembrar da cena em
que, numa das primeiras visitas de Charles à Quinta dos Bertaux, o futuro casal
bebe licor. Depois de servir a si mesma uma dose pequena, Emma leva o copinho à
boca e Flaubert escreve:
“Como estava quase
vazio, ela inclinava-se para trás, para beber; e com a cabeça deitada,
avançando os lábios, com o pescoço retesado, ria por nada sentir, enquanto,
passando a ponta da língua entre os dentes finos, lambia aos poucos o fundo do
copo”.
Prestem atenção ao
riso, à língua que brota entre os dentes como se fosse uma delicada serpente:
as diversas compulsões de Emma, que se revelarão ao longo do romance, estão
todas concentradas nesse divertido, breve gesto de luxúria.
Em “A dama do
cachorrinho”, de Anton Tchekhov, depois que Gurov e Ana têm a primeira relação
amorosa, enquanto Ana sente-se culpada e sofre por ter traído o esposo, Gurov,
então sempre pronto a odiar as mulheres, corta um pedaço de melancia e come
“sem se apressar”, diz o narrador, passando meia hora em silêncio.
O ato de comer e o
vermelho que brota da fruta intensificam o descaso do amante — e se contrapõem
à mulher agora desolada, de traços murchos e “cabelos que pendem tristemente
dos lados do rosto”.
Enquanto Gurov se
lambuza na polpa da fruta, como se repetisse o que acabara de fazer com Ana,
esta, sem qualquer vivacidade, sob a penumbra da vela que mal ilumina seu
rosto, exala “a pureza de uma mulher correta, ingênua, que vivera pouco”.
As oposições que
percebemos entre o prazer consumado, a indiferença e o sofrimento concentram-se
todas no vermelho da melancia.
Esta é a força dos
detalhes — eles destroem as generalizações e, como diz Vladimir Nabokov,
carregam, nas suas incongruências, o poder de descrever fatos e personagens.
É comum não nos determos nos detalhes, até por que, seria impossível sair de algum lugar se tentássemos o detalhar, mas, por vezes, é no detalhe que se expressa o elemento mais contundente da realidade. Difícil escolher entre a praticidade e o aprofundamento!
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