Quando o
populismo e a demagogia imperam — exatamente como acontece nos últimos anos no
Brasil —, a cultura pequena predomina, ganha altos postos e financiamentos
soberbos.
É curioso o
discurso dos que justificam o rebaixamento de Machado de Assis a uma linguagem
popular, supostamente acessível ao povo: enquanto lança perdigotos, o magnânimo evangelizador literário das massas, com a serenidade típica
de um cônego que recolhe esmolas apenas para garantir o próprio consumo de
presunto e vinho, desfia seu amor desabrido, realmente perdulário, não ao
dinheiro captado graças à esdrúxula Lei Rouanet, mas à “copeira do escritório”,
ao “balconista da farmácia”, ao “motorista de táxi”.
Chegam a ser comoventes
esses padrinhos e madrinhas dos pobres iletrados brasileiros. Quanto amor! Quanta
prodigalidade! Se pudessem, levariam a cada lar um volume de Machado de Assis.
E de quebra, quem sabe, uma terrina de caldo de galinha! Ah, se pudessem!, esses
médicos de almas sentariam à cabeceira de cada brasileiro, cobrindo as
cabecinhas pouco iluminadas do povo com suas infalíveis compressas de cultura.
Quanto
paternalismo! Quanta simulação de virtude! Quanta receita infalível e pretensiosa,
enquanto o país rasteja para se agarrar às últimas posições de todas as
estatísticas, de todos os índices, de todas as pesquisas que avaliam níveis de
educação.
É fácil
construir um túnel de livros, criar impacto numa mídia sedenta de impacto e se
dizer benfeitor da cultura. O difícil é, com giz e lousa, sob o sol e a chuva,
no verão e no inverno, na caatinga, na Amazônia ou sob uma árvore raquítica no
quintal de casa, ser professor, formar uma nova geração, preparar bons leitores
de Machado. Isso ninguém quer fazer – e os que fazem, os que realmente se
dedicam a educar, para esses não há Lei Rouanet, mas só o minguado contracheque.
É realmente irônico,
machadiano demais, que a salvação literária nacional seja oferecida ao povo por meio de um alienista. Alienista de roupinha puída, doutorzinho medíocre, de poucas
luzes, perfeito para os burros doidos deste país.
Mas não deixemos que a ironia nos engane. No
substrato dessa proposta, na base de um Estado que acolhe e ajuda a financiar
tal projeto, só há vulgaridade. Ortega y Gasset estava, desgraçadamente, certo:
a vulgaridade tornou-se um direito – e domina toda a vida pública.
Bravíssimo, Rodrigo, muito bom e triste. Bom por ser lúcido e corajoso, triste por tudo que contém. "a vulgaridade tornou-se um direito – e domina toda a vida pública" - como isto é exato.
ResponderExcluirUm abraço, e obrigada mais uma vez.
Carla Farinazzi
Ótimo texto, Rodrigo! Infelizmente, terrivelmente verdadeiro.
ResponderExcluirExcelente texto! Esses lobos, que pousam de pedagogos bonzinhos, usam a desculpa de estar dando oportunidade de o povo entender o mais sublime da linguagem para deixar a população prostrada, burra, sem crescimento intelectual. Tolhem a oportunidade de o povo ampliar seu vocabulårio (e com ele as ideias!), querem promover a visão de mundo baixa, vulgar, para continuarem brincando no chiqueiro lepo lepo. Não querem que o povo olhe para cima, porque têm medo de que amadureçam, e por isso rebaixam a arte machadiana à comidinha mastigada para o povão sem dente. Como já disse um pensador "Mais fåcil é rebaixar a cultura ao povo do que elevar à cultura". Cabe às famílias incutir nos jovens o valor dos estudos, porque se depe der do governo, quanto mais burro for melhor.
ResponderExcluirExcelente, sr. Gurgel.
ResponderExcluirAproveito e deixo aqui este artigo do lúcido José Maria e Silva.
http://www.jornalopcao.com.br/reportagens/discipula-de-paulo-freire-assassina-machado-de-assis-4399/
Cumprimentos!
O senhor é demais!
ResponderExcluirDe quem é essa pintura?
ResponderExcluirGoya.
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