No jornal Rascunho deste mês, escrevo sobre
Antônio Torres, esquecido autor mineiro, cronista ferino e ácido que fez enorme
sucesso entre as décadas de 1910 a 1930.
Na contramão da
eloquência nacional, Torres repete nos textos o rigor que pautava sua conduta,
sempre ética. Em Da correspondência de
João Epíscopo (1917), não basta mostrar a teimosia com que Antônio
Austregésilo Rodrigues de Lima, neurologista escolhido para a Academia Brasileira
de Letras em 1914, abusa do chavão “de oradores de comícios, chapa retórica
inteiramente gasta”, mas é preciso tripudiar, de forma didática, sobre o
“venturoso clínico”:
[...] A sua frase vai, volta, sobe,
desce, anda, desanda, empaca, corre um centímetro, enguiça logo depois, resvala
para a direita, escorrega para a esquerda, range nas engrenagens, emperra,
torna a mover-se, embaraça-se imediatamente, faz novo e último esforço para
voar e vai engastalhar-se definitivamente no beco sem saída de um ponto final.
Aí o motor de V. Exa. dá uma descarga; o aparelho começa então a funcionar,
trepidando; a frase volta ao ponto de partida; tenta tomar nova direção; anda
um instante, vibra e paf! novo empacamento! V. Exa. força a manícula; abre a
caixa de gases; a frase sai zimbrando (como diria o Sr. Coelho Neto), às
curvetas e ziguezagues, em linhas quebradas e sinuosas, e, cansada, arquejante,
impotente, despedaça-se no ímpeto de uma derrapagem. Trilam apitos; corre
gente, acode a polícia, grita a multidão: Não pode! Não pode! Prende! Lincha! Nisto se ouve tilintar aflitamente a campainha e é a Assistência que
chega para socorrer o leitor desfalecido!
Excelente ensaio. Não conhecia as obras de Antônio Torres, e fiquei muito interessado por elas. Li na íntegra a matéria no "Rascunho" e vi como o autor foi esquecido pelos ensaístas, talvez pela franqueza e acidez de espírito necessária à vida literária - isto sim incômodo aos homens pequenos nas virtudes. Parabéns Sr. Gurgel mais uma vez pelo trabalho de preciosa qualidade que tem realizado.
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