Minha primeira
ideia foi dar a este post um título
provocativo – A crise dos jesuítas na
América Latina, Parte 2 –, pois ele é, sob muitos aspectos, uma continuação
do texto que publiquei no início deste mês, repercutindo, com informações sobre
alguns dos jesuítas brasileiros, o artigo do vaticanista Andrés Beltramo, La crisis de los jesuitas (latinoamericanos).
Não o fiz,
contudo, para salientar a figura do cardeal Daniélou, cujo pensamento foi
objeto de recente jornada de estudos na Pontificia Università della Santa Croce,
em Roma, e de quem o vaticanista Sandro Magister publicou, há poucos dias, uma
incrível entrevista, originalmente feita em 1972, mas que apresenta respostas,
infelizmente atualíssimas, sobre as causas da decadência da vida religiosa.
Magister afirma
que, na época, “a entrevista foi lida como uma acusação lançada contra a
Companhia de Jesus”, e que o jesuíta Bruno Ribes, então diretor da revista Études, mostrou-se como um dos mais
ativos em destruir a reputação de Daniélou.
À parte essas questões,
a corajosa entrevista fala por si mesma (em espanhol, italiano, inglês e
francês). A seguir, alguns dos melhores trechos:
Penso que há,
atualmente, uma crise muito grave da vida religiosa e que não se deve falar de
renovação, mas, sim, de decadência. [...] Esta crise se manifesta em todas as
esferas. Os ensinamentos evangélicos já não são considerados como consagração a
Deus, mas são vistos numa perspectiva sociológica e psicológica. Preocupamo-nos
em não apresentar uma fachada burguesa, mas, no plano individual, não se
pratica a pobreza. A dinâmica de grupo substitui a obediência religiosa; com o
pretexto de reagir contra o formalismo, abandona-se toda a vida de oração segundo
as Regras [...].
A fonte
essencial dessa crise é uma falsa interpretação do Vaticano II. As diretivas do
Concílio eram claríssimas: maior fidelidade dos religiosos e religiosas às
exigências do Evangelho, expressadas nas Constituições de cada instituto e, ao
mesmo tempo, uma adaptação das modalidades dessas Constituições às condições da
vida moderna. [...] Mas, em muitos casos, as diretivas do Vaticano II são
substituídas por ideologias errôneas, colocadas em circulação por revistas, congressos
e teólogos. Entre esses erros, podemos mencionar:
– A
secularização. O Vaticano II declarou que os valores humanos devem ser levados
a sério. Jamais disse que devemos ingressar num mundo secularizado, no sentido
de que a dimensão religiosa já não haverá de estar presente na civilização; e é
em nome de uma falsa secularização que religiosos e religiosas renunciam aos
seus hábitos, abandonam suas obras para inserir-se em instituições seculares,
substituindo a adoração a Deus por atividades sociais e políticas. Entre outras
coisas, vão na contramão no que se refere à necessidade de espiritualidade que
se manifesta no mundo de hoje.
– Uma falsa
concepção de liberdade que leva consigo a desvalorização das Constituições e Regras,
e exalta a espontaneidade e a improvisação. Isto é tanto mais absurdo quanto a
sociedade ocidental sofre atualmente de uma ausência de disciplina da
liberdade.
– Uma concepção
errônea da mutação do homem e da Igreja. Ainda quando os contextos mudam, os
elementos constitutivos do homem e da Igreja são permanentes [...].
Como afirmei
acima, a entrevista tem incrível e triste atualidade. É como se o cardeal Daniélou
tivesse acabado de falar à Rádio Vaticano. E torna-se impossível, depois de ler
sua íntegra, não retornar aos textos de Andrés Beltramo [La crisis de los jesuitas (latinoamericanos) e Más de jesuitas latinoamericanos (impresentables)]
ou às afirmações que fiz em meu post.
E que repito: Não, não se trata de uma
crise eventual, infelizmente. Trata-se, na verdade, de nítida ruptura, de
escancarado desejo de insubordinação, de um patente movimento de secularização
e laxismo – que, pelo visto, teve início há várias décadas.
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