junho 28, 2011

Muito além do falso humanismo

Às vezes tenho a alegria de encontrar um texto que, por suas inúmeras qualidades, gostaria de ter escrito. Raras pessoas apresentam, nos dias de hoje, lucidez para abandonar a lógica do senso comum. Aliás, na maioria dos casos, desconfio que não se trata de falta de inteligência, mas, sim, de covardia mesmo. Poucos têm coragem de se contrapor às mentiras, aos chavões e à soberba epistêmica que dominam os discursos na mídia, na política e nas universidades. E se não há coragem, a inteligência também claudica, fraqueja – e torna-se mais cômodo pensar como todos pensam, seguir a torrente de sofismas chamada, com doçura hipócrita, de “politicamente correto”.

Não é o caso do artigo que publico a seguir. Ele rompe com os artificialismos da lógica atualmente hegemônica, vira-a pelo avesso, e mostra como um pensamento limitado pode ter um discurso convincente – mas jamais, jamais representará a verdade. Ele denuncia a mediocridade e a pequenez do humanismo que hoje encontramos na mídia, na Web, nos chamados movimentos sociais e nas rodinhas de intelectuais; e mostra como a mais execrada das mensagens – execrada por ser radicalmente libertadora – recusa as soluções simplistas e superficiais, guarda uma universalidade insuperável e permanece incólume através dos séculos.

O texto foi publicado no blog Contos do Átrio. Ao seu perspicaz e, infelizmente, anônimo autor, ofereço minha sincera admiração.           

Se é “católico”, dispensa adjetivos

A tendência secular hoje é celebrar a diversidade por si só, como se a existência das diferenças fosse por ela mesma algo a se comemorar, e não uma obviedade da raça humana.

É evidente que somos diferentes e que a possibilidade de expressarmos nossas diferenças é uma coisa boa. Mas isso é muito mesquinho e pequeno perto da proposta do cristianismo, que se propõe católico, isto é, universal. E exigir do cristianismo que ele também celebre essas diferenças é podar o cristianismo, tirando sua radicalidade. Transforma-o numa carta de boas intenções que qualquer ONG ou instituição humanitária teria, com suas propostas geralmente óbvias como é óbvia a diversidade humana.

O cristianismo só pode ser universal, logo o único adjetivo que suporta é “católico”. Celebrar diferenças é exatamente o que não pode acontecer no cristianismo. Se o cristianismo olhar para as diferenças, ele simplesmente desaba.

Foi precisamente essa a discussão no Concílio de Jerusalém, narrado nos Atos dos Apóstolos. No começo do cristianismo, contrapunham-se as tendências judaizante – centrada na manutenção de algo da lei judaica, com destaque para a circuncisão – e helenizante, que igualava judeus e estrangeiros e tirava a importância da circuncisão. Segundo o historiador Daniel-Rops, esse debate moldou o cristianismo como ele é logo no primeiro século. Enquanto se diferenciavam os judeus dos gentios, o cristianismo não alcançava seu potencial inicial.

O desafio do cristão não é acolher o homossexual, o negro, o pobre. É acolher o próximo independentemente de ele ser homossexual, negro, pobre ou estrangeiro. Há aí uma diferença sutil, que passa batida, na palavra “independentemente”: se esse rótulo não importa, ressaltá-lo é justamente o que lhe dá importância.

É por isso que o cristianismo é mais feminista do que as feministas, mais “homossimpatizante” do que os LGBTTT, mais social do que os socialistas, mais libertador do que os libertários, mais avançado do que os progressistas, muito mais humano do que os humanistas. O cristianismo é próximo. Rebaixou Deus à dignidade do homem e elevou o homem à proximidade de Deus. Colocar qualquer outro adjetivo que ressalta diferenças – feminista, dos pobres, dos negros, sertaneja, campesina ou o que seja – mutila o cristianismo.

E isso é bíblico. Há uma pilha de tradições cristãs e passagens bíblicas que elimina qualquer diferenciação no cristianismo e chama todos à unidade, porque a verdade só pode ser uma só.

Também é repleto de fundamento bíblico o fato de que o cristianismo aceita a todas as pessoas porque rejeita todos os vícios. Os vícios acentuam a cegueira que leva as pessoas a ab-rogarem a autoridade – de Deus – para dizerem quando e em quê devem fazer o bem aos outros, o que é de uma ingenuidade tremenda. Mal sabemos quando fazemos o bem a nós mesmos; imagina se vamos saber se fazemos o bem aos outros. O cristianismo que aceitasse vícios não reuniria comunidades, só seria um fingimento, um engodo de união entre as pessoas.

Por isso, a invenção de um cristianismo que aceita o pecador sem rejeitar seu pecado – invocando aquela famosa passagem bíblica da pecadora que seria apedrejada – não tem qualquer lógica. É a ridicularização do cristianismo. Se os vícios não forem abandonados, não é possível amar o próximo sob um dos maiores mandamentos, como escrito em Mateus 22, 36, Marcos 12, 28 e João 14,15, e em tantos outros textos bíblicos. Não existe cristianismo sem eles.

5 comentários:

  1. Eu não sou católico, não tenho fé mas estou de acordo com o texto. Se tudo pode ser aceito como cristão a religião perde a sua característica, a sua razão de ser.

    ResponderExcluir
  2. Rodrigo, o blog é do Pedro Menezes! Ele está no twitter: @pgmenezes

    ResponderExcluir
  3. Obrigado, Rodrigo! E obrigado, Wagner! Pensei que meu nome logo abaixo do título do post tirava o texto da anonimidade... =)
    Abraços

    ResponderExcluir
  4. Sim! Mas qual Pedro? Qual das rochas?! Forte abraço e, novamente, parabéns!

    ResponderExcluir