O blog Dextra tem traduzido alguns ótimos artigos do escritor e filósofo Roger Scruton, infelizmente pouco conhecido no Brasil, dando continuidade ao trabalho iniciado pela revista Dicta & Contradicta. Abaixo, coloco links para os artigos do Dextra:
- "A tevê nunva vai envenenar a cabeça dos meus filhos"
- "O 'direito' dos gays é uma injustiça com as crianças"
- "Adeus aos juízos - a infantilização relativista do ensino superior no Ocidente"
- "Soletrando o inefável"
- "Sentimentalismo totalitário"
Boa leitura!
janeiro 28, 2011
janeiro 22, 2011
Como o governo pauta a literatura
Como vocês sabem, fui entrevistado, pela Revista Educação, sobre a recente tentativa de censura ao livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. A matéria, escrita pelo jornalista Sérgio Rizzo, merece leitura atenta.
Mas agora que a revista está nas bancas e na web há vários dias, quero partilhar com os leitores a íntegra de minhas respostas. Elas abordam vários aspectos do problema, inclusive a censura governamental – tácita, é verdade – que já ocorre. Vejam:
Revista Educação: – Como você analisa o “imbróglio Lobato”? Ou: o que ele tem a nos dizer de mais importante sobre o Brasil hoje? Qual o problema central revelado pelo episódio?
– O “imbróglio Lobato” nasce de certo problema básico: um Estado paternalista, que se acredita tutor dos cidadãos, que trata os cidadãos não como indivíduos capazes de exercer seus direitos e deveres, em termos civis e políticos, mas como filhos imaturos, crianças incapazes de discernir, de escolher entre o bem e o mal. Um comportamento, aliás, contraditório, pois esse mesmo Estado, quando se trata de cobrar altos impostos, e de sucessivamente aumentar a carga de tributos, sabe tratar os cidadãos como se estes fossem adultos responsáveis.
Um Estado desse tipo gera governos que se veem como “pais” ou “mães” dos cidadãos, o que não deixa de ser uma infantilização da cidadania e da vida política em geral. Quando tal Estado incorpora na sua burocracia, nos seus órgãos de decisão, intelectuais e educadores que, além de compactuarem com esse paternalismo, atribuem a si mesmos o papel de supostos moralizadores ou higienistas da cultura, e portanto da literatura, acontecem fenômenos como o da tentativa de expurgar Lobato.
Não entrarei aqui no mérito das teorias e movimentos que defendem a racialização do país, pois isso nos levaria a uma outra discussão, mas é evidente que essas questões – chamadas de “politicamente corretas” – permeiam o “imbróglio Lobato” e são reforçadas pelo avanço de um movimento difuso que pretende, utilizando discursos ufanistas e demagógicos, salvar o Brasil de sua própria história, instaurar uma época de justiça social nunca antes conhecida, eliminar tudo o que, segundo uma visão parcial e partidária, signifique atraso, ignorância e injustiça.
Ora, nós já conhecemos experiências semelhantes, em maior ou menor grau, aqui e em outras nações; e o resultado é sempre o mesmo: quando governos se autoinstituem como “pais”, “mães” ou revisores da história, donos da verdade absoluta, há sempre uma semente de autoritarismo escondida nesse comportamento. E é ela que deflagra todas as formas – veladas ou não – de censura.
No caso específico de Monteiro Lobato, o comportamento do Conselho Nacional de Educação (CNE) é esquizofrênico – e toda forma de censura é, no fundo, pura esquizofrenia, pois sempre revela um delírio persecutório: você pinça do livro duas ou três expressões, retira-as do contexto, não só do contexto do próprio livro, mas do conjunto da obra do escritor e da época em que ele viveu, e transforma um autor genial, um homem que representou a vanguarda da indústria editorial brasileira, num racista contumaz. É de uma simplificação monstruosa.
Ainda bem que parcela da sociedade reagiu contra esse verdadeiro absurdo e impediu o pior, mas a solução que parece se desenhar no horizonte também não me agrada: a tal “nota explicativa” que se projeta colocar no livro, nota que pretende esclarecer os leitores sobre a presença de supostos preconceitos no texto, não é apenas uma censura velada, mas, pior, é o primeiro passo de um processo de tutela da criação literária.
Revista Educação: – Acredita que possa haver uma escalada de episódios semelhantes com base no raciocínio “politicamente correto” e na pressão de grupos contra obras que, na avaliação deles, “cometam” representações preconceituosas?
– Se a tal “nota explicativa” for aprovada, será um perigoso precedente, a partir do qual todo autor que não escrever de acordo com o que o CNE considera certo, justo e “politicamente correto” ou não será adotado nas escolas ou receberá uma reprimenda pública ou, no mínimo, uma “nota explicativa”, na qual serão listados seus supostos defeitos. Estaremos, assim, de volta aos autos de fé medievais ou a um passo da criação de um nihil obstat do CNE, por meio do qual o governo certificará que, aprovado pelos censores do Estado, o livro nada contém que seja contrário à fé, à moral e aos bons costumes.
Isso não é só patrulhamento cultural; é, principalmente, amordaçar a literatura. É como se o CNE dissesse: ou vocês escrevem o que nós queremos, o que nós achamos certo, ou vocês não serão distribuídos nas escolas. Um gesto desse tipo, num governo que, só em 2010, comprou 135 milhões de livros para serem distribuídos nas escolas, é mais que despótico, pois interfere em toda a produção editorial do país, coíbe editores, impõe controles rígidos sobre a produção literária e, claro, amordaça os escritores.
E tal precedente pode, sim, referendar ou autorizar o comportamento censório de segmentos da sociedade que, por qualquer motivo, se considerem desprestigiados ou perseguidos por este ou aquele livro, por este ou aquele autor. Ou seja, é a institucionalização da esquizofrenia, da censura e da perseguição política. Aliás, já vemos isso no exterior: esta semana, por exemplo, o escritor V. S. Naipaul, Prêmio Nobel de 2001, que é um crítico severo do Islã, foi obrigado a, depois de intensa crítica dos escritores islamitas, declinar do convite para comparecer ao Parlamento Europeu dos Escritores, em Istambul.
Voltando ao Brasil, a decisão do CNE pode servir como pretexto para comportamentos semelhantes – que pretendam silenciar ou condenar ao ostracismo escritores que não pensem de acordo com as normas governamentais – ou, igualmente pernicioso, pode dar início a uma onda de “notas explicativas”. Que nota o CNE mandaria publicar, por exemplo, em O primo Basílio, de Eça de Queirós? Poderia ser algo assim: “Alertamos alunos e professores de que esta obra destila um moralismo retrógrado, pois pune com a morte a mulher que tentou, por meio do adultério, se libertar do jugo de um casamento opressor e machista”. E no que se refere ao Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis? O CNE poderia escrever a seguinte nota: “Recomendamos aos professores e alunos que, durante a leitura, pulem o Capítulo LXVIII, intitulado ‘O vergalho’, pois o trecho referenda a prática do escravismo e, pior, defende a tese de que os seres humanos estão fadados a repetir nos seus semelhantes as injustiças de que foram vítimas”.
Os exemplos, claro, são risíveis, exatamente para mostrar o ridículo, o grotesco, o absurdo que existe em toda e qualquer forma de censura, de amordaçamento e de ato restritivo da livre expressão.
Mas agora que a revista está nas bancas e na web há vários dias, quero partilhar com os leitores a íntegra de minhas respostas. Elas abordam vários aspectos do problema, inclusive a censura governamental – tácita, é verdade – que já ocorre. Vejam:
Revista Educação: – Como você analisa o “imbróglio Lobato”? Ou: o que ele tem a nos dizer de mais importante sobre o Brasil hoje? Qual o problema central revelado pelo episódio?
– O “imbróglio Lobato” nasce de certo problema básico: um Estado paternalista, que se acredita tutor dos cidadãos, que trata os cidadãos não como indivíduos capazes de exercer seus direitos e deveres, em termos civis e políticos, mas como filhos imaturos, crianças incapazes de discernir, de escolher entre o bem e o mal. Um comportamento, aliás, contraditório, pois esse mesmo Estado, quando se trata de cobrar altos impostos, e de sucessivamente aumentar a carga de tributos, sabe tratar os cidadãos como se estes fossem adultos responsáveis.
Um Estado desse tipo gera governos que se veem como “pais” ou “mães” dos cidadãos, o que não deixa de ser uma infantilização da cidadania e da vida política em geral. Quando tal Estado incorpora na sua burocracia, nos seus órgãos de decisão, intelectuais e educadores que, além de compactuarem com esse paternalismo, atribuem a si mesmos o papel de supostos moralizadores ou higienistas da cultura, e portanto da literatura, acontecem fenômenos como o da tentativa de expurgar Lobato.
Não entrarei aqui no mérito das teorias e movimentos que defendem a racialização do país, pois isso nos levaria a uma outra discussão, mas é evidente que essas questões – chamadas de “politicamente corretas” – permeiam o “imbróglio Lobato” e são reforçadas pelo avanço de um movimento difuso que pretende, utilizando discursos ufanistas e demagógicos, salvar o Brasil de sua própria história, instaurar uma época de justiça social nunca antes conhecida, eliminar tudo o que, segundo uma visão parcial e partidária, signifique atraso, ignorância e injustiça.
Ora, nós já conhecemos experiências semelhantes, em maior ou menor grau, aqui e em outras nações; e o resultado é sempre o mesmo: quando governos se autoinstituem como “pais”, “mães” ou revisores da história, donos da verdade absoluta, há sempre uma semente de autoritarismo escondida nesse comportamento. E é ela que deflagra todas as formas – veladas ou não – de censura.
No caso específico de Monteiro Lobato, o comportamento do Conselho Nacional de Educação (CNE) é esquizofrênico – e toda forma de censura é, no fundo, pura esquizofrenia, pois sempre revela um delírio persecutório: você pinça do livro duas ou três expressões, retira-as do contexto, não só do contexto do próprio livro, mas do conjunto da obra do escritor e da época em que ele viveu, e transforma um autor genial, um homem que representou a vanguarda da indústria editorial brasileira, num racista contumaz. É de uma simplificação monstruosa.
Ainda bem que parcela da sociedade reagiu contra esse verdadeiro absurdo e impediu o pior, mas a solução que parece se desenhar no horizonte também não me agrada: a tal “nota explicativa” que se projeta colocar no livro, nota que pretende esclarecer os leitores sobre a presença de supostos preconceitos no texto, não é apenas uma censura velada, mas, pior, é o primeiro passo de um processo de tutela da criação literária.
Revista Educação: – Acredita que possa haver uma escalada de episódios semelhantes com base no raciocínio “politicamente correto” e na pressão de grupos contra obras que, na avaliação deles, “cometam” representações preconceituosas?
– Se a tal “nota explicativa” for aprovada, será um perigoso precedente, a partir do qual todo autor que não escrever de acordo com o que o CNE considera certo, justo e “politicamente correto” ou não será adotado nas escolas ou receberá uma reprimenda pública ou, no mínimo, uma “nota explicativa”, na qual serão listados seus supostos defeitos. Estaremos, assim, de volta aos autos de fé medievais ou a um passo da criação de um nihil obstat do CNE, por meio do qual o governo certificará que, aprovado pelos censores do Estado, o livro nada contém que seja contrário à fé, à moral e aos bons costumes.
Isso não é só patrulhamento cultural; é, principalmente, amordaçar a literatura. É como se o CNE dissesse: ou vocês escrevem o que nós queremos, o que nós achamos certo, ou vocês não serão distribuídos nas escolas. Um gesto desse tipo, num governo que, só em 2010, comprou 135 milhões de livros para serem distribuídos nas escolas, é mais que despótico, pois interfere em toda a produção editorial do país, coíbe editores, impõe controles rígidos sobre a produção literária e, claro, amordaça os escritores.
E tal precedente pode, sim, referendar ou autorizar o comportamento censório de segmentos da sociedade que, por qualquer motivo, se considerem desprestigiados ou perseguidos por este ou aquele livro, por este ou aquele autor. Ou seja, é a institucionalização da esquizofrenia, da censura e da perseguição política. Aliás, já vemos isso no exterior: esta semana, por exemplo, o escritor V. S. Naipaul, Prêmio Nobel de 2001, que é um crítico severo do Islã, foi obrigado a, depois de intensa crítica dos escritores islamitas, declinar do convite para comparecer ao Parlamento Europeu dos Escritores, em Istambul.
Voltando ao Brasil, a decisão do CNE pode servir como pretexto para comportamentos semelhantes – que pretendam silenciar ou condenar ao ostracismo escritores que não pensem de acordo com as normas governamentais – ou, igualmente pernicioso, pode dar início a uma onda de “notas explicativas”. Que nota o CNE mandaria publicar, por exemplo, em O primo Basílio, de Eça de Queirós? Poderia ser algo assim: “Alertamos alunos e professores de que esta obra destila um moralismo retrógrado, pois pune com a morte a mulher que tentou, por meio do adultério, se libertar do jugo de um casamento opressor e machista”. E no que se refere ao Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis? O CNE poderia escrever a seguinte nota: “Recomendamos aos professores e alunos que, durante a leitura, pulem o Capítulo LXVIII, intitulado ‘O vergalho’, pois o trecho referenda a prática do escravismo e, pior, defende a tese de que os seres humanos estão fadados a repetir nos seus semelhantes as injustiças de que foram vítimas”.
Os exemplos, claro, são risíveis, exatamente para mostrar o ridículo, o grotesco, o absurdo que existe em toda e qualquer forma de censura, de amordaçamento e de ato restritivo da livre expressão.
janeiro 20, 2011
Excluir Lobato das escolas?
Fico aqui matutando: os que alardeiam a exclusão de Monteiro Lobato das escolas defenderiam a censura praticada em nosso país durante os governos militares? Depois de ler e escutar os argumentos pífios dos que pregam a lei da mordaça, tenho a resposta: o problema aqui é de egolatria. Os esquerdistas se acreditam melhores que todos, inclusive quando censuram. A mordaça dos militares era repressiva, mas a dos esquerdistas é, digamos, pedagógica, didática! Quase uma bênção...
janeiro 15, 2011
Sob vigilância
Fui entrevistado pelo jornalista Sérgio Rizzo para matéria, publicada no último número da Revista Educação, sobre a recente tentativa de censura ao livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. Este é um dos trechos:
As ações estabelecidas pela Câmara de Educação Básica (CEB) nascem de "certo problema básico", de acordo com Gurgel: um "Estado paternalista, que se acredita tutor dos cidadãos, que os trata não como indivíduos capazes de exercer seus direitos e deveres, em termos civis e políticos, mas como filhos imaturos, crianças incapazes de discernir, de escolher entre o bem e o mal". O comportamento seria "contraditório", pois "esse mesmo Estado, quando cobra altos impostos, e sucessivamente aumenta a carga de tributos", encara os cidadãos como "adultos responsáveis".
As ações estabelecidas pela Câmara de Educação Básica (CEB) nascem de "certo problema básico", de acordo com Gurgel: um "Estado paternalista, que se acredita tutor dos cidadãos, que os trata não como indivíduos capazes de exercer seus direitos e deveres, em termos civis e políticos, mas como filhos imaturos, crianças incapazes de discernir, de escolher entre o bem e o mal". O comportamento seria "contraditório", pois "esse mesmo Estado, quando cobra altos impostos, e sucessivamente aumenta a carga de tributos", encara os cidadãos como "adultos responsáveis".
janeiro 13, 2011
Épico às avessas
Publiquei, no último Rascunho de 2010, minha análise sobre A retirada da Laguna, do visconde de Taunay. Leiam um trecho:
[...] é surpreendente que Taunay, apesar de jovem e fiel às tradições de sua família, merecedora da amizade pessoal de Pedro II, não tenha se vergado ao patriotismo cego ou à exaltação de uma campanha na qual os principais personagens são os pântanos, as doenças, a estafa e a escassez de víveres. Ao preferir nos deixar um relato intenso sobre os limites físicos e éticos do homem posto à prova em situações extremas, e sobre a perturbadora forma de loucura que se repete em todas as guerras, tomou uma decisão digna de ser celebrada.
[...] é surpreendente que Taunay, apesar de jovem e fiel às tradições de sua família, merecedora da amizade pessoal de Pedro II, não tenha se vergado ao patriotismo cego ou à exaltação de uma campanha na qual os principais personagens são os pântanos, as doenças, a estafa e a escassez de víveres. Ao preferir nos deixar um relato intenso sobre os limites físicos e éticos do homem posto à prova em situações extremas, e sobre a perturbadora forma de loucura que se repete em todas as guerras, tomou uma decisão digna de ser celebrada.