Perguntado por Miguel Conde, de O Globo, se hoje os críticos receiam fazer julgamentos de valor, Karl Erik Schøllhammer, professor de literatura da PUC-RJ, responde diretamente:
“As pessoas não têm coragem. A dura verdade é essa. Existe no Brasil uma cordialidade exagerada entre crítica e escritor, que é ambígua, mas que é mantida assim: o crítico diz para o autor ‘isso é muito bom’, mas vira a cabeça e diz ‘isso é uma droga’. Essa cordialidade, essa falsa afinidade, essa conivência bloqueiam a franqueza na discussão. Com poucas exceções. Existem algumas exceções na crítica brasileira.”
É o que acabo de ler no Café Colombo. E só posso concordar plenamente com Karl Erik Schøllhammer.
julho 10, 2010
julho 04, 2010
“Perdulários de felicidade”
A relação do homem com a divindade, com o sagrado, sempre me fascinou. Mas não me refiro ao fascínio do antropólogo ou de qualquer outro estudioso, necessariamente frio e distante. Refiro-me a um interesse apaixonado que, se bem recordo, ganhou força quando, perto dos quinze anos, aproximei-me da espiritualidade carmelita. Há um pequeno Carmelo em minha cidade natal, onde duas dezenas de irmãs vivem segundo a regra de santa Teresa D’Ávila, e acostumei-me a visitá-lo quase todas as semanas. Até hoje, tendo passado dos cinquenta anos, é impressionante lembrar da alegria daquelas irmãs, do estranho fulgor que a tudo iluminava quando a janela do locutório se abria e as cortinas escuras eram afastadas. Não, não era uma alegria qualquer, mas uma perturbadora autossuficiência, como se elas bastassem a si próprias e todo o resto, incluindo minha visita, nada mais fosse que uma gralha insignificante, incapaz de perturbá-las na lenta e silenciosa obra de composição que retomavam a cada dia, muito antes do amanhecer, obedecendo às leis de um tipógrafo invisível e onisciente. De onde vinha aquela energia, aquela radiância, aquela fé despojada de angústia? G. K. Chesterton diz, em seu breve ensaio sobre Francisco de Assis, que “houve monges que foram perdulários de felicidade, enquanto nós somos dela avarentos”. Pois devo dizer que conheci alguns desses privilegiados. Havia naquelas carmelitas descalças a “secreta nobreza” de que Chesterton nos fala – e elas eram movidas pela “simples afirmativa de que esse furioso e desconcertante universo é governado pela justiça e pela misericórdia”. Fé que invejo, e que se aproxima ou se afasta do meu coração, sem nunca preencher-me completamente.