junho 17, 2010

Enfim, o dicionário

Como deve se comportar um detetive que jamais soluciona o crime? Entrega-se ao desespero ou se dedica, incansável, a reunir pistas que às vezes o aproximam, às vezes o afastam de sua busca? São as perguntas que fiz a mim mesmo nos últimos anos, enquanto procurava um bom exemplar do esgotadíssimo Dicionário Analógico da Língua Portuguesa: ideias afins/thesaurus, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo.

Tenho o Analógico do jesuíta Carlos Spitzer, uma reimpressão de 1959 – dicionário, aliás, que nunca me decepcionou –, mas o Azevedo, que pude folhear a primeira vez há boas décadas, tornou-se um desses amores perseguidos com desespero, paixão que aumenta na exata medida em que os obstáculos crescem. Certa vez, o exemplar do sebo era velho demais; em outra, o volume, quase perfeito, trazia dezenas de anotações, máculas feitas, com esferográfica, por algum leviano. E numa única oportunidade – manhã chuvosa, nas imediações da Praça da Sé –, diante do exemplar verdadeiramente angelical, tive de conter meu ímpeto, pois o preço salmodiado pelo alfarrabista era in-de-co-ro-so. Livro inatingível – e ponto!

Mas como viver sem ele? E, pior, como escrever sem ele? É claro que dramatizo, pois sou um bibliômano, o que posso fazer?, desses que sonham com bibliotecas infinitas, no silêncio das quais um gato repousa, enquanto o virar da página lembra uma prece carmelita...

Pois bem, amigos. A Editora Lexicon acaba de resolver não todos os meus problemas – pois minha biblioteca segue longe da infinitude, disputando cada mínimo espaço deste apartamento –, mas reeditou o Analógico de Santos Azevedo, edição atualizada e revista, trabalho meticuloso, de amor à língua portuguesa, que devemos a Carlos Augusto Lacerda e Paulo Geiger.

Agora, sempre que a ideia surgir, mas pouco clara, insegura quanto à melhor palavra para torná-la concreta, debatendo-se como louca nas dobras do meu cérebro, sem encontrar a porta de saída, basta estender a mão e abrir o Thesaurus: ele me dará o vocábulo certo, justo, liame perfeito entre a abstração e a realidade. Agora, os devaneios podem ter nome – nenhuma quimera morrerá sem o merecido batismo. Hoje vou dormir em paz.

5 comentários:

  1. Durmo em paz há três noites por essa mesma razão. Quase transformei o dicionário em travesseiro, porto seguro, barra de ouro, boia salvavidas...

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  2. eu tb me alucino qd desejo um livro que não acho em lugar algum. falei do livro do georges bernanos no meu blog. beijos, pedrita

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  3. É, quando as palavras fogem a coisa fica feia! Não à toa uma porção de escritores já louvou os dicionários. Eu fico com José Lins que disse que o dicionário "tem de ser paternal, simples, dando-nos o valor e o significado das coisas, sem pretensões, capaz da mais franca intimidade, generoso, probo, fácil". Aliás, em termos de linguagem, na maioria das vezes o mais simples é o melhor!

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  4. Sempre será razoável escrever mais simples e mais fácil, se quisermos a possibilidade de mais a mais, a cada dia, novos leitores. O ato de procurar, no dicionário, fará que o mesmo leitor, atento, leia mais uma palavra acima e outra abaixo. Sempre o crescimento. Não é o ideal?!!

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  5. e eu que já me contentava com o Grande Dicionário de Sinônimos e Antônimos, de Osmar Barbosa, da EDIOURO? É um amigão!

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