Nos últimos dias, por razão profissional, tenho sido obrigado a revisitar alguns livros que li há muitos anos – e aos quais não pretendia retornar. Refiro-me a certas obras presentes na lista da Fuvest para o Vestibular 2010.
Pois bem. Realmente desconheço o que norteia a escolha desses livros, mas certamente não são critérios estéticos. Escolher, do Romantismo brasileiro, José de Alencar, é uma afronta à sensibilidade dos jovens, é obrigá-los a perder tempo com um texto pomposo, artificial, de uma grandiloquência que chega a dar engulhos. Claro, podemos ver a escolha pelo lado bom: ao menos não obrigaram a juventude a ler O Guarani, mas, sim, Iracema, livrinho bem mais curto e relativamente menos medíocre. Mas, pergunto-me, por que escolher o que existe de pior no Romantismo brasileiro? Por que exigir que eles leiam o que há de mais embolorado em nossa literatura? Se os critérios forem aqueles que já cansamos de ouvir, de que as narrativas de Alencar serviram à criação de uma literatura efetivamente nacional, de que a prosa alencariana em Iracema é pura poesia, e blá, blá, blá..., sinceramente, precisamos, com urgência, dar um banho de água fria nos responsáveis pela escolha – e alguns talvez precisem de um bom clister ou de uma camisa-de-força.
Meu Jesus-cristinho! Minha Santa Terezinha de Lisieux! Por que não pedir que os jovens leiam o melhor?! Álvares de Azevedo e Castro Alves têm bons poemas – Azevedo, inclusive, escreveu alguns deliciosamente irônicos, em que ele ri do próprio Romantismo. E se é para ler Alencar, por favor, esqueçam essa bobagem de literatura indianista. (Isso talvez sirva aos estudiosos do folclore brasileiro, mas não à literatura.) Senhora é um romance razoável – e agredirá menos a inteligência da juventude.
Os problemas da lista, contudo, não param aí. Acho perfeito que os alunos tenham de ler Eça de Queirós. Mas não entendo porque três autores realistas (Eça, Machado e Aluísio Azevedo) – e entendo menos ainda porque, mais uma vez, não se escolhe o melhor. A cidade e as serras apresenta aquele Eça em que já se apagam as principais qualidades, como o sarcasmo e a crítica ferina à sociedade portuguesa. É um Eça que dá seus últimos suspiros. Por que não Os Maias? Por que tem muitas páginas? Ou por que a trama é complexa? Seja qual for o critério, mais uma vez despreza-se a inteligência dos jovens.
Também estranho a falta do Simbolismo. Portugal e Brasil têm ótimos poetas simbolistas. Claro que nenhum louco vai obrigar os jovens a ler um livro inteiro de Cruz e Souza, pois não há fígado que aguente. Mas, Jesus!, por que não uma boa antologia de poemas, reunindo os nomes mais importantes? Não seria melhor que os alunos pudessem ter uma visão ampla do movimento? Bastariam dez ou quinze poemas – e já teríamos uma ideia clara sobre a estética simbolista. E o mesmo poderia ser feito com os parnasianos.
Outra bobagem é Capitães da areia. Livrinho mal escrito, superficial, esquemático. Novamente escolhe-se o que um autor tem de pior. Jorge Amado já não é o que poderíamos chamar de clássico – e ainda obriga-se a juventude a ler o que ele tem de mais medíocre. Não entendo! Por que não pedir que os jovens leiam, por exemplo, A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água, obra divertidíssima – e uma das três ou quatro do Jorge que realmente merecem ser lembradas?
Na verdade, a lista da Fuvest é tristemente populista, pois comete o pior dos pecados: nivela por baixo a inteligência da juventude. Parte dos livros escolhidos passa a impressão de que os responsáveis se basearam naqueles estúpidos chavões: de que os jovens não leem, não gostam de ler, etc.
Ora, em minha opinião deveríamos fazer exatamente o contrário: deveríamos dar um voto de confiança aos jovens, oferecer-lhes o que a literatura de língua portuguesa tem de melhor, e entusiasmá-los à leitura de obras que realmente pudessem acrescentar algo à sua sensibilidade. Desacreditar da inteligência da juventude não é um bom recurso pedagógico. Talvez possa servir ao populismo rasteiro que grassa neste país, mas não é, decididamente, uma escolha sábia.
o que eu estranho são os anos. tudo perto e parecido. p q não um philip roth? p q não rachel de queiroz ou lygia fagundes telles? sem falar em hilda hilst? falando em nivelar por baixo não suporto o ensino pedir para fazer quadrinhos de grandes clássicos pq os alunos não gostam de ler. é nivelar por baixo. é pretencioso achar que qq aluno não gosta de ler. acho ótimo inserir quadrinhos nas leituras. mostrar que as leituras podem ser amplas. mas achar que só isso q irão ler. não faz sentido algum. eu amei terras do sem fim do jorge amado e incidente em antares do érico veríssimo. qq um dos dois falariam muito do brasil e da nossa literatura. mas vão sempre nos mais óbvios. beijos, pedrita
ResponderExcluirÉ estranho. Por que dar Helena aos alunos, se eles aproveitariam melhor e até se divertiriam mais com Brás Cubas ou até com os contos? Imagine o estrago positivo que O Alienista faria na cabeça de um estudante.
ResponderExcluirAlgumas universidades têm adotado livros contemporâneos, o que de certa forma é bom. Dois Irmãos, do Hatoum, e Nove Noites, do Bernardo Carvalho, são exemplos de romances recentes pedidos em vestibulares por aí.
Meu querido Rodrigo, veja a coincidência; ontem no metrô um rapaz estava ao meu lado lendo Gil Vicente; encetamos um papo, por conta de sua polidez da dar o lugar a uma senhora que o recusou, e conversa vai, conversa vem, ele me falou porque lia o autor de O Auto da Barca do Inferno e eu perguntei da lista para a Fuvest. Fiquei levemente chocada ao saber dos autores; eu ainda perguntei: tem Nelson Rodrigues? Manuel Bandeira? Machado? (Tinha). Drummond? Lygia Fagundes? Ele não se lembrava. E, sim, concordo, antes Os Maias do que A Cidade e as Serras -- para uma primeira leitura. E, sim, meu voto vai para Quincas Berro d´Água, em detrimento de Capitães da Areia! (Aliás, por mim Jorge Amado estaria fora!). O rapaz não soube me dizer se entra Clarice, ou um Leminski, um Caio Fernando Abreu. De qualquer modo, Jorge Amado parece que está em voga, novamente, agora. Enfim, adorei seu post e vejo que pensamos de maneira semelhante. Abraço! Isa
ResponderExcluirOlá, Rodrigo, voltei aqui para dizer que o livro de que mais gostei, quando da primeira leitura de Eça, foi O Primo Basílio e a segunda leitura eu a fiz em paralelo com Memórias Póstumas de Brás Cubas. Gosto muitíssimo de O Primo Basílio! Mas eu, se fosse fazer uma lista de leituras para o vestibular, se fosse levar em conta que tais leituras e destrinchamento dos textos estariam sob a supervisão de bons professores, indicaria os clássicos, mesmo. Clássicos da literatura universal: Flaubert, com Madame Bovary; Crime e Castigo, de Dostoiévski; Kafka. A Hora da Estrela, de Clarice. As Meninas, de Lygia Fagundes. Alguns bons poemas de Vinícius, Bandeira, Drummond e Leminski. Talvez arriscasse um A Religiosa, de Diderot. Ou alguns poemas de Jacques Prévert. De Pessoa, Alberto Caiero, sempre. Valéry, com seu O Cemitério Marinho. A Redoma de Vidro, de Sylvia Plath. Vestido de Noiva, que li para o vestibular nos anos setenta, impressionou-me muito. Enfim, eu acho que estou com saudades dos anos setenta, pois manteria os mesmos autores nacionais (Bandeira, Nelson, Clarice). Enfim, de qualquer modo, seu post vem bem a calhar, para uma reflexão sobre os critérios que nortearam a lista deste ano. Se é que teremos alguma pista sobre tais critérios... Abraço! Isa Fonseca
ResponderExcluirAs escolhas são ruim, sim, mas o próprio currículo de literatura brasileira no ensino médio é péssimo. Independente disso, quero manifestar minha total discordância quanto a sua avaliação de Alencar. Alencar tem de ser lido como uma grande paródia. "O Guarani" é um desfile de escola de samba, com a vantagem de que é silencioso. O estilo caudaloso de Alencar não é romântico, é barroco. Trata-se de um escritor que não deixa de ter grande complexidade e que não dá para descartar assim, torcendo o nariz. Um abraço, Tibiriçá
ResponderExcluirPedrita, Jonas e Isa: acho ótimo estarmos refletindo sobre todas essas questões. Há, sem dúvida, dezenas de livros melhores para serem indicados. Beijos e abraços em vocês.
ResponderExcluirMeu caro Tibiriçá Ramaglio: é um prazer, finalmente, tê-lo aqui! Alencar é um tema complexo para mim, pois, como já lhe disse, não gosto dele desde a época dos bancos escolares... Quanto a ele ser barroco, para o meu gosto pessoal Alencar parece mais uma degenerescência do Barroco... estaria mais para um Rococó sofrível... Mas, suponhamos que ele seja barroco... Se for, na minha modesta opinião, não é capaz de cerzir a barra da sotaina do Padre Vieira! (risos)
Imenso abraço, meu querido amigo!
rodrigo, eu não sei se seriam melhores, mas mais variados. acho que todos ficam sempre nos mesmos, sempre nos óbvios. às vezes me pergunto se é pq eles só leram esses mesmos. beijos, pedrita
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