maio 30, 2009
Clube dos colecionadores de figurinhas do sabonete Eucalol
Analisando os comentários do post abaixo – e agradeço aos comentaristas que aceitaram participar do debate –, vejo que ao menos em um ponto a maioria concorda: repete-se, entre nós, o hábito de entender a crítica literária como ofensa pessoal. E quando isso ocorre, a reação é sempre a mesma: desqualificar o crítico, muitas vezes de maneira injuriosa.
A outra face da moeda – representada pelo crítico servil ou pelos resenhistas (muitos deles também escritores) que se especializaram nos elogios mútuos – é, assim, o complemento perfeito, adequado, à realidade promíscua que caracteriza, em grande parte, a vida literária brasileira.
O escritor e tradutor Francisco Carlos Lopes – autor de Nó de sombras e Dobras da noite (ambos publicados pelo Instituto Moreira Salles) – defende uma tese curiosa sobre todos esses fenômenos, tese que poderia ser resumida em um só pensamento: a relação de compadrio, presente na política desde sempre, também corrompeu a literatura.
O longo comentário de Chico Lopes – enviado por e-mail na última quinta-feira –, que, com autorização do escritor, reproduzo abaixo, é um exercício de lucidez, de grande honestidade:
Rodrigo:
[...]
Em todo caso, o que queria dizer é que esse negócio de não poder julgar os trabalhos de amigos escritores com isenção, em termos puramente literários, é uma miséria tipicamente brasileira (outra delas). Deriva do espírito de "patota", que é inevitável entre nós, e que faz com que a literatura, tão minoritária, tão "clube dos colecionadores de figurinhas do sabonete Eucalol" em termos numéricos e expressivos na inculta sociedade brasileira, se componha de gente excêntrica cujo único motivo para existir é uma vaidade renitente.
Ora, tendo este como único motivo, na verdade, cumpre manter o compadrismo, não ofender ninguém, ser um sujeito sempre simpático, prestativo, generoso, nada crítico.
Não há, na verdade, clima para discussões estritamente literárias e estéticas e vontade de aperfeiçoar nada por esse lado. Aperfeiçoa-se, isto sim, as relações, como se beneficiar (e até de maneiras extra-literárias) delas, como chegar a editores e gente mais famosa etc. e aperfeiçoa-se a arte de nada dizer que possa afetar ilusões compartilhadas.
O sujeito que insistir nisso – na crítica, desprovida de "amizade" por amor à crítica, à mera verdade – será visto como antipático, discriminado e, se não for excluído do clubinho, será ao menos um membro muito evitado e pouco convidado, digamos...
Porque, na verdade, a Literatura aí, como arte que se depura, interessa pouquíssimo. E fica proibido, como em outros clubes de outras finalidades, que se toque em temas-tabu – já que a estrutura é tão frágil, a coisa tão presunçosa e baseada em tão voláteis famas e tão poucos talentos reais, que a verdade pode pôr tudo abaixo facilmente, e aquele que ousou proferi-la será odiado.
O que você disse é verdade – a festa é pequena e os dançarinos são poucos, e é feio ser muito exigente, quando se está em minoria – é preciso ser, acima de tudo, solidário e compassivo, não apresentar critérios ou requisitos de qualidade muito rígidos, levando em conta que todo mundo dança mais ou menos mal ou é francamente capenga.
A gente, por educação, consideração e, em não raros casos, compaixão, se abstém de dizer o óbvio – que o livro que Fulano nos mandou, na esperança de uma força, é medíocre ou precisaria passar por muita purgação e reescritura para se tornar melhor ou apenas digno de consideração.
Já passei muito por isso, cometi vários pecados de bondade ou complacência, ganhando amizades que passavam, então, a ter precisamente o tabu supracitado: nada de dizer a verdade sobre o trabalho do amigo, que ele tinha que ser mais humilde, se aperfeiçoar, escrever melhor, ouvir críticas. Um dia, porém, a complacência acaba, alguma coisa mais real se ventila, e tudo vai por água abaixo, já que o narcisismo primário que preside esses clubinhos é implacável, nesses momentos. Tudo acaba em carrancas, diz-que, diz-que, nas intrigas mais baixas, com os vaidosinhos se digladiando e propagando venenos e escrotidões. O reino da verdade acaba, por pura perversão, sendo o reino da realidade recalcada, o terreno minado onde ninguém de bom-tom deveria ter pisado...
Então acontece, com frequência fatal, que o sujeito mais verdadeiro se esquive voluntariamente, fique mais insociável, digamos, mais eremita, para evitar ser mal-educado ou simplesmente autêntico, mas seus escrúpulos serão mal compreendidos e isso acabará por ser tomado como arrogância.
O que se pretende é abolir toda e qualquer hierarquia de qualidade em nome de uma solidariedade grupal muito falsa e eufórica. O que se pretende é que a música continue tocando e os dançarinos, bons, ruins, chinfrins, proibidos de serem refinados e exigentes, continuem dançando.
O sujeito mais consciente, que se absteve de entrar na dança e segue mudo, é um desmancha-prazer, um chato ressentido, nada mais que isso...
Não somos, brasileiros dados a escritores, digamos, amigos da severidade, da análise, da tarefa óbvia de separar joio do trigo. Não queremos ser desmentidos em nossas ilusões, queremos euforias, números falsos, estímulos, festinhas, beijos, abraços, elogios, nada mais que foguetório...
Por isso é tão difícil lidar com isso – porque apela-se mais para o talento de festeiro e mentiroso, compadre e sujeito simpático, que para a qualificação real. Não há jeito...O sujeito dotado de lucidez e espírito crítico acabará fora do baile.
Era o que eu queria dizer.
Abraços e parabéns.
Chico Lopes
maio 27, 2009
Reflexões sobre a crítica literária
Há alguns dias, respondendo ao e-mail de um amigo, no qual ele fazia comentários sobre minhas resenhas no Rascunho, escrevi que esse era um trabalho nem sempre agradável. E por uma simples razão: muitas vezes, a honestidade me obrigava a fazer críticas desfavoráveis.
À parte o fato de meus juízos estarem ou não corretos, o que apenas o tempo poderá dizer – e a história da crítica está pontilhada de erros e acertos, estes últimos em maioria –, quando, depois de ler certa obra, vejo-me obrigado a mostrar incongruências e desatinos, ajo assim sem qualquer prazer. Na verdade, sou tomado de certo mal-estar, pois, se há uma pulsão que move meu trabalho, é a de apontar acertos. Ao contrário do que muitos pensam, duvido que algum crítico seja movido por uma pulsão sádica.
Na verdade, os autores brasileiros não estão acostumados a receber críticas. Do que leio na mídia, percebo que a crítica desfavorável é, muitas vezes, escrita de forma velada, protegida sob uma terminologia praticamente hermética, como se, ao dissimular seu julgamento, o crítico pretendesse não se comprometer ou não fazer inimigos. Outra prática comum entre nós é a de considerar bom o que é apenas razoável ou medíocre. Alguns escritores, certamente, ficam satisfeitos – e o suposto crítico ganha amigos e fama. Esse tipo de celebridade, contudo, mostra apenas o quanto a perversão atingiu a literatura, a vida intelectual.
De minha parte, se considero um livro ruim, afirmo claramente o que penso. Por que haveria de fazer concessões? Por que haveria de tratar como gênio quem é somente mediano? Gotthold Lessing (na ilustração acima) tinha um pensamento apropriado sobre o assunto: “Em uma competição de coxos, o primeiro que chega ao final continua sendo coxo, apesar de tudo”.
Para Marcel Reich-Ranicki, os críticos atuam como porteiros de um baile, devendo introduzir um pouco de ordem na festa e, sobretudo, rechaçar, logo na entrada, os charlatães e os incapazes, a fim de deixar mais espaço no salão para os bons dançarinos. O pensamento de Ranicki, um dos críticos que mais aprecio, serve, no entanto, à realidade alemã. Em um país subdesenvolvido, onde a leitura não é um hábito, as edições raras vezes superam os dois mil exemplares e grande parte da população não ultrapassa a linha do analfabetismo funcional, o papel do crítico não é o de ser porteiro do baile. Simplesmente porque o salão está quase vazio e a orquestra toca, sem entusiasmo, para poucos dançarinos.
Quem faz crítica literária neste país, deveria trocar idéias, de maneira didática e sincera, com a minoria iluminada que se interessa pelo assunto, tentando formar consciências para uma verdade simples: em literatura, exatamente como acontece nos demais espaços da vida, há o ótimo, o bom, o medíocre e o ruim.
O baile, portanto, ainda está aberto a todos. Mas não há nada de errado em se aproximar de um dançarino e dizer: “Meu caro, você precisa treinar mais” ou “Meu amigo, você é um desastre”.
maio 25, 2009
maio 22, 2009
Arnaldo Cohen e o “revolucionário conservador”
Pude ouvir a Osesp em duas oportunidades este mês, ambas com a regência de Claus Peter Flor, atualmente ocupando o cargo de diretor artístico da Orquestra Filarmônica da Malásia. Foram apresentações completamente díspares – e surpreendentes.
Em Noite transfigurada, de Arnold Schoenberg, Peter Flor conseguiu recriar o clima intimista, noturno do poema de Richard Dehmel. Seguindo o delicado continuum de cordas, experimentamos o encontro, a revelação da culpa e o generoso perdão do enamorado – ou seja, o triunfo do amor. Também ouvimos, de Felix Mendelssohn-Bartholdy, a Sinfonia nº 2 em Si Bemol maior, Op. 52. Não sou fã de Mendelssohn, um compositor, em minha opinião, apenas elegante. Mas foi impossível não ser contagiado pelo coro da Osesp e, principalmente, pela soprano Christina Landshamer, a melhor surpresa da noite: voz límpida, com uma sonoridade que em nenhum momento soou áspera ou cortante.
Mas Peter Flor reservava momentos ainda melhores. Ontem, fui surpreendido pela Sinfonia nº 2 em dó menor, Op. 27 de Josef Suk, um compositor desconhecido para mim. Conversando com Lauro Machado Coelho, ele me alertou: que eu estivesse preparado para fortes emoções, pois a sinfonia nascera do impacto de duas mortes – a de Dvorák, mestre de Suk, e a de Otilie Dvoráková, filha de Dvorák e esposa de Suk –, e o compositor havia concentrado nos cinco movimentos o absurdo de perder as pessoas que amava, o desespero, a revolta e, por fim, a resignada superação do luto. É, de fato, música espantosa, capaz de nos levar da indignação ao compartilhamento da dor.
Minha expectativa, no entanto, concentrava-se, desde o início da temporada, no Concerto nº 1 para piano, de Brahms. Passei os últimos dias ouvindo novamente as gravações que tenho aqui, com Arthur Rubinstein, Maurizio Pollini e Claudio Arrau, tentando captar as diferenças de interpretação, principalmente no adágio, o movimento que mais aprecio. Ontem, no entanto, ao ouvir Arnaldo Cohen, todas as nuanças desapareceram – e pude reviver o que já experimentara no ano passado, quando ouvi Cohen no Quinteto em fá menor de Brahms: ele é de uma virtuosidade, de um talento deslumbrante (e não há qualquer exagero neste adjetivo). Foi uma experiência inesquecível vê-lo, durante o concerto, trocar sorrisos com Peter Flor, demonstrando a perfeita unidade a que chegaram. E fiz questão de, na saída, cumprimentar Cohen e, principalmente, agradecer-lhe pela oportunidade de ouvir um pianista extraordinário interpretando meu compositor favorito: o “revolucionário conservador” Brahms.
Em Noite transfigurada, de Arnold Schoenberg, Peter Flor conseguiu recriar o clima intimista, noturno do poema de Richard Dehmel. Seguindo o delicado continuum de cordas, experimentamos o encontro, a revelação da culpa e o generoso perdão do enamorado – ou seja, o triunfo do amor. Também ouvimos, de Felix Mendelssohn-Bartholdy, a Sinfonia nº 2 em Si Bemol maior, Op. 52. Não sou fã de Mendelssohn, um compositor, em minha opinião, apenas elegante. Mas foi impossível não ser contagiado pelo coro da Osesp e, principalmente, pela soprano Christina Landshamer, a melhor surpresa da noite: voz límpida, com uma sonoridade que em nenhum momento soou áspera ou cortante.
Mas Peter Flor reservava momentos ainda melhores. Ontem, fui surpreendido pela Sinfonia nº 2 em dó menor, Op. 27 de Josef Suk, um compositor desconhecido para mim. Conversando com Lauro Machado Coelho, ele me alertou: que eu estivesse preparado para fortes emoções, pois a sinfonia nascera do impacto de duas mortes – a de Dvorák, mestre de Suk, e a de Otilie Dvoráková, filha de Dvorák e esposa de Suk –, e o compositor havia concentrado nos cinco movimentos o absurdo de perder as pessoas que amava, o desespero, a revolta e, por fim, a resignada superação do luto. É, de fato, música espantosa, capaz de nos levar da indignação ao compartilhamento da dor.
Minha expectativa, no entanto, concentrava-se, desde o início da temporada, no Concerto nº 1 para piano, de Brahms. Passei os últimos dias ouvindo novamente as gravações que tenho aqui, com Arthur Rubinstein, Maurizio Pollini e Claudio Arrau, tentando captar as diferenças de interpretação, principalmente no adágio, o movimento que mais aprecio. Ontem, no entanto, ao ouvir Arnaldo Cohen, todas as nuanças desapareceram – e pude reviver o que já experimentara no ano passado, quando ouvi Cohen no Quinteto em fá menor de Brahms: ele é de uma virtuosidade, de um talento deslumbrante (e não há qualquer exagero neste adjetivo). Foi uma experiência inesquecível vê-lo, durante o concerto, trocar sorrisos com Peter Flor, demonstrando a perfeita unidade a que chegaram. E fiz questão de, na saída, cumprimentar Cohen e, principalmente, agradecer-lhe pela oportunidade de ouvir um pianista extraordinário interpretando meu compositor favorito: o “revolucionário conservador” Brahms.
maio 20, 2009
Liberal, didático, sensato
Neoliberal, não. Liberal é um livro despretensioso – mas obrigatório. Seu autor, o jornalista Carlos Alberto Sardenberg, reuniu nesse volume textos didáticos que jamais apelam a simplismos e não abrem mão da defesa dos valores liberais. E o que poderia ser melhor em um país no qual as leis imobilizam o mercado e a livre concorrência, onde o governo conseguiu a proeza de criar uma nova ideologia, o “neoliberalismo de esquerda fisiológico”? A irônica definição não é minha, mas de Sardenberg.
Com linguagem direta, clara, o livro traz aulas que se opõem, saudavelmente, ao socialismo, ideologia tão em voga neste país, mostrando que tal bandeira – “acabada, destruída como realidade e utopia” – serve apenas à demagogia e ao populismo. Artimanhas nas quais, aliás, o partido hoje no poder se esmerou, treinando nos palanques e nos sindicatos por décadas.
Um dos melhores textos do livro, “Adam Smith vive aqui”, explica como a busca dos próprios interesses e da satisfação das necessidades pessoais pode gerar riqueza para o empreendedor e à comunidade. Sardenberg parte de um exemplo colhido nas favelas de São Paulo, onde certa moradora, sensível e inteligente, sem esperar por benesses governamentais, montou uma lan house na cozinha de sua casa. Esse tipo de história, no entanto, não agrada aos defensores da caridade feita com dinheiro público. Para eles, o Programa Bolsa Família não é uma escola de imobilismo, não é a forma cínica de garantir eleitorado fiel e cego, mas trata-se de um passo a mais na direção do socialismo tupiniquim. Sardenberg, no entanto, expressa lucidez sobre a questão e sintetiza: “Um modelo econômico que fornece educação de qualidade e gera empregos não precisa dar comida, pois fornece às pessoas meios mais eficientes e duradouros”.
Em “Quinze anos com a mesma política econômica”, o jornalista nos oferece boa retrospectiva do período FHC–Lula. Sardenberg não doura a pílula, escreve com imparcialidade, sem maniqueísmos, mostrando de que maneira um conjunto de fatores provocou a virada estratégica da economia brasileira – e como as mudanças de discurso do PT sempre obedeceram a interesses eleitoreiros.
Mas Sardenberg não escreve apenas sobre economia e política. Sua visão de uma sociedade realmente liberal, que ele expõe ao tratar dos acidentes de trânsito e da proibição da venda de bebidas alcoólicas nas rodovias, defende a liberdade de consumo, o direito individual, e, ao mesmo tempo, punições que “desabem sobre o indivíduo que desrespeitou a lei e prejudicou os outros”. Ou seja, exatamente o contrário do que temos no Brasil, onde viceja “um conjunto de arbitrariedades ineficientes”.
A escrita de Sardenberg traz o mesmo estilo que ele tem imprimido, há algumas semanas, ao Jornal das Dez, no Canal Globo News: nenhuma histrionice, nada de trejeitos exagerados, gesticulação exaltada ou bruscas modulações de voz – características, aliás, que sobram em alguns apresentadores daquele noticioso. Sardenberg, ao contrário, transpira equilíbrio, sensatez.
Sem usar subterfúgios, as teses de Neoliberal, não. Liberal desagradam, com certeza, aos esquerdistas. E exatamente por esse motivo estão imbuídas de um profundo sentido de realidade.
Com linguagem direta, clara, o livro traz aulas que se opõem, saudavelmente, ao socialismo, ideologia tão em voga neste país, mostrando que tal bandeira – “acabada, destruída como realidade e utopia” – serve apenas à demagogia e ao populismo. Artimanhas nas quais, aliás, o partido hoje no poder se esmerou, treinando nos palanques e nos sindicatos por décadas.
Um dos melhores textos do livro, “Adam Smith vive aqui”, explica como a busca dos próprios interesses e da satisfação das necessidades pessoais pode gerar riqueza para o empreendedor e à comunidade. Sardenberg parte de um exemplo colhido nas favelas de São Paulo, onde certa moradora, sensível e inteligente, sem esperar por benesses governamentais, montou uma lan house na cozinha de sua casa. Esse tipo de história, no entanto, não agrada aos defensores da caridade feita com dinheiro público. Para eles, o Programa Bolsa Família não é uma escola de imobilismo, não é a forma cínica de garantir eleitorado fiel e cego, mas trata-se de um passo a mais na direção do socialismo tupiniquim. Sardenberg, no entanto, expressa lucidez sobre a questão e sintetiza: “Um modelo econômico que fornece educação de qualidade e gera empregos não precisa dar comida, pois fornece às pessoas meios mais eficientes e duradouros”.
Em “Quinze anos com a mesma política econômica”, o jornalista nos oferece boa retrospectiva do período FHC–Lula. Sardenberg não doura a pílula, escreve com imparcialidade, sem maniqueísmos, mostrando de que maneira um conjunto de fatores provocou a virada estratégica da economia brasileira – e como as mudanças de discurso do PT sempre obedeceram a interesses eleitoreiros.
Mas Sardenberg não escreve apenas sobre economia e política. Sua visão de uma sociedade realmente liberal, que ele expõe ao tratar dos acidentes de trânsito e da proibição da venda de bebidas alcoólicas nas rodovias, defende a liberdade de consumo, o direito individual, e, ao mesmo tempo, punições que “desabem sobre o indivíduo que desrespeitou a lei e prejudicou os outros”. Ou seja, exatamente o contrário do que temos no Brasil, onde viceja “um conjunto de arbitrariedades ineficientes”.
A escrita de Sardenberg traz o mesmo estilo que ele tem imprimido, há algumas semanas, ao Jornal das Dez, no Canal Globo News: nenhuma histrionice, nada de trejeitos exagerados, gesticulação exaltada ou bruscas modulações de voz – características, aliás, que sobram em alguns apresentadores daquele noticioso. Sardenberg, ao contrário, transpira equilíbrio, sensatez.
Sem usar subterfúgios, as teses de Neoliberal, não. Liberal desagradam, com certeza, aos esquerdistas. E exatamente por esse motivo estão imbuídas de um profundo sentido de realidade.
maio 13, 2009
Arquivo Maaravi
Minha resenha sobre Jó – romance de um homem simples, de Joseph Roth, acaba de ser publicada no nº 4 da Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos (da Universidade Federal de Minas Gerais).
Convidado pela Profª Lyslei Nascimento, editora da publicação, enviei o texto de pronto, afinal, são pouquíssimas as revistas que apresentam uma proposta editorial tão sedutora.
O nome, Maaravi, vem de Kotel haMaaravi – o Muro Ocidental ou das Lamentações, em Jerusalém. Ruína do Templo destruído pelos romanos, o muro testemunhou séculos de história, transformando-se em um arquivo da memória judaica. Ali, os fiéis inserem, nas fendas entre as pedras, pequenos pedaços de papel com pedidos e orações.
Mas deixo vocês com o texto de apresentação da revista. Ele tem uma eloqüência contagiante:
Esse arquivo de pedras é um lugar de culto e de adoração. Os judeus ortodoxos, com seus trajes e chapéus negros, movimentam o corpo e movem seus lábios em orações diante dele. Os jovens soldados israelenses fazem ali seu voto de amor à pátria. Pais e filhos renovam, ano após ano, sua aliança com o Eterno. O Templo, que sobrevive metonimicamente nessa parede, é a casa do Messias, a promessa da construção do terceiro Templo e do corpo judaico que foi disperso nas diásporas e exílios.
Tal qual o Muro Ocidental, onde os textos são inseridos nas fendas, a Arquivo Maaravi – Revista Digital de Estudos Judaicos – espera acolher trabalhos de escritores e artistas que se dedicam aos Estudos Judaicos desde o Ocidente até o Oriente.
A proposta da revista, que passa pela concepção da tradição judaica com seu léxico, procedimentos e temas, como um arquivo aberto, ou como a Biblioteca de Borges, não é aqui concebido como o acúmulo de documentos inertes de um passado perdido ou como um testemunho petrificado de uma identidade perdida.
O arquivo da cultura judaica, que aqui tomamos através da metáfora do Kotel, espera lidar com o passado como estrelas próximas, ou muito longínquas, arcaicas até, que vêm até nós através de um certo rastro luminoso, ou, com o presente e o futuro, que podem se apresentar em todo o seu fulgor através de vestígios, como queria Walter Benjamin.
Entre a lembrança e o esquecimento, o arquivo judaico não poderá, assim, ser analisado, descrito ou reinventado a partir de uma obsessão milimétrica, mas a partir de fragmentos, regiões, níveis. Composto por diferentes obras, o arquivo judaico perpassa, onipresente, livros dispersos, delineando uma rede de textos que pertencem a uma tradição de autores que se conhecem ou se ignoram, estabelecendo conexões as mais inusitadas; autores que se criticam, invalidam-se uns aos outros, plagiam-se e, ao mesmo tempo, a despeito de suas vontades, reencontram-se, às vezes sem saber, no território de papel da literatura ou no campo plástico da arte.
Convidado pela Profª Lyslei Nascimento, editora da publicação, enviei o texto de pronto, afinal, são pouquíssimas as revistas que apresentam uma proposta editorial tão sedutora.
O nome, Maaravi, vem de Kotel haMaaravi – o Muro Ocidental ou das Lamentações, em Jerusalém. Ruína do Templo destruído pelos romanos, o muro testemunhou séculos de história, transformando-se em um arquivo da memória judaica. Ali, os fiéis inserem, nas fendas entre as pedras, pequenos pedaços de papel com pedidos e orações.
Mas deixo vocês com o texto de apresentação da revista. Ele tem uma eloqüência contagiante:
Esse arquivo de pedras é um lugar de culto e de adoração. Os judeus ortodoxos, com seus trajes e chapéus negros, movimentam o corpo e movem seus lábios em orações diante dele. Os jovens soldados israelenses fazem ali seu voto de amor à pátria. Pais e filhos renovam, ano após ano, sua aliança com o Eterno. O Templo, que sobrevive metonimicamente nessa parede, é a casa do Messias, a promessa da construção do terceiro Templo e do corpo judaico que foi disperso nas diásporas e exílios.
Tal qual o Muro Ocidental, onde os textos são inseridos nas fendas, a Arquivo Maaravi – Revista Digital de Estudos Judaicos – espera acolher trabalhos de escritores e artistas que se dedicam aos Estudos Judaicos desde o Ocidente até o Oriente.
A proposta da revista, que passa pela concepção da tradição judaica com seu léxico, procedimentos e temas, como um arquivo aberto, ou como a Biblioteca de Borges, não é aqui concebido como o acúmulo de documentos inertes de um passado perdido ou como um testemunho petrificado de uma identidade perdida.
O arquivo da cultura judaica, que aqui tomamos através da metáfora do Kotel, espera lidar com o passado como estrelas próximas, ou muito longínquas, arcaicas até, que vêm até nós através de um certo rastro luminoso, ou, com o presente e o futuro, que podem se apresentar em todo o seu fulgor através de vestígios, como queria Walter Benjamin.
Entre a lembrança e o esquecimento, o arquivo judaico não poderá, assim, ser analisado, descrito ou reinventado a partir de uma obsessão milimétrica, mas a partir de fragmentos, regiões, níveis. Composto por diferentes obras, o arquivo judaico perpassa, onipresente, livros dispersos, delineando uma rede de textos que pertencem a uma tradição de autores que se conhecem ou se ignoram, estabelecendo conexões as mais inusitadas; autores que se criticam, invalidam-se uns aos outros, plagiam-se e, ao mesmo tempo, a despeito de suas vontades, reencontram-se, às vezes sem saber, no território de papel da literatura ou no campo plástico da arte.
maio 11, 2009
George Steiner e David Hume
Há poucos meses, uma declaração de George Steiner provocou polêmica na Europa. Steiner teria dito que “é muito fácil sentar-se aqui, nesta casa, e dizer: ‘– O racismo é horrível!’. Mas pergunte-me o mesmo se uma família de jamaicanos se mudar para a casa ao lado com seis filhos que escutam reggae e rock and roll o dia inteiro [...]”. O grande ensaísta terminava a afirmação salientando o fato de que, caso tal família se tornasse sua vizinha, seu próprio imóvel perderia, com certeza, grande parte do valor.
Vivendo sob o império do politicamente correto, Steiner foi acusado, é claro, de racismo. Os intelectuais de esquerda ficariam felizes se ele tivesse dito que, no caso de um dia ter vizinhos desse tipo, se submeteria de bom grado à barulheira, recusando o direito de desfrutar do silêncio em nome de viver uma inusitada experiência multicultural. E que, quando fosse avisado sobre a deterioração do valor de seu imóvel, o transformaria, com prazer, num abrigo para imigrantes desempregados.
São tempos estranhos e inseguros os nossos, pois, segundo a opinião de muitos, deveríamos nos dar por felizes quando temos o bem-estar e o silêncio violentados – ou quando a propriedade que adquirimos com imensos sacrifícios é desvalorizada da noite para o dia. No entanto, sabemos que todo o problema nasceu do exemplo citado por Steiner: se, no lugar de “jamaicanos”, tivesse dito “portugueses” ou “austríacos”, sem citar nenhum estilo de música em especial, poucos reclamariam.
David Hume não sofria esse tipo de patrulhamento. Em seu ensaio Da simplicidade e do requinte na maneira de escrever pôde afirmar, sem receio, que “os gracejos de um aguadeiro, as observações de um camponês e a linguagem confusa de um carregador ou de um cocheiro de praça são coisas naturais e desagradáveis, simultaneamente”. O exemplo não foi gratuito. Hume o utiliza para defender uma tese simples: a literatura que apenas reproduz a realidade, que é uma cópia fiel do real, é, no mínimo, insípida.
Ele também critica o oposto: os escritores que recorrem a ornamentos estilísticos quando o assunto de que tratam não comporta tais maneirismos. Buscando um “meio termo justo entre os excessos de requinte e de simplicidade”, ele afirma, no entanto, “ser difícil, senão impossível, explicar por palavras” como chegar a tal equilíbrio. Mas salienta que o “exagero do requinte, além de ser o extremo menos ‘belo’, é o mais ‘perigoso’”.
Suspeito, entretanto, que o filósofo escreveria de outra forma se vivesse hoje no Brasil. Imagino-o suplicando aos escritores para que parassem de escrever como aguadeiros, camponeses, carregadores e cocheiros. E, repetindo novamente a lição de Joseph Addison, diria: “Escrevam com sentimentos naturais, mas que não sejam óbvios”.
Vivendo sob o império do politicamente correto, Steiner foi acusado, é claro, de racismo. Os intelectuais de esquerda ficariam felizes se ele tivesse dito que, no caso de um dia ter vizinhos desse tipo, se submeteria de bom grado à barulheira, recusando o direito de desfrutar do silêncio em nome de viver uma inusitada experiência multicultural. E que, quando fosse avisado sobre a deterioração do valor de seu imóvel, o transformaria, com prazer, num abrigo para imigrantes desempregados.
São tempos estranhos e inseguros os nossos, pois, segundo a opinião de muitos, deveríamos nos dar por felizes quando temos o bem-estar e o silêncio violentados – ou quando a propriedade que adquirimos com imensos sacrifícios é desvalorizada da noite para o dia. No entanto, sabemos que todo o problema nasceu do exemplo citado por Steiner: se, no lugar de “jamaicanos”, tivesse dito “portugueses” ou “austríacos”, sem citar nenhum estilo de música em especial, poucos reclamariam.
David Hume não sofria esse tipo de patrulhamento. Em seu ensaio Da simplicidade e do requinte na maneira de escrever pôde afirmar, sem receio, que “os gracejos de um aguadeiro, as observações de um camponês e a linguagem confusa de um carregador ou de um cocheiro de praça são coisas naturais e desagradáveis, simultaneamente”. O exemplo não foi gratuito. Hume o utiliza para defender uma tese simples: a literatura que apenas reproduz a realidade, que é uma cópia fiel do real, é, no mínimo, insípida.
Ele também critica o oposto: os escritores que recorrem a ornamentos estilísticos quando o assunto de que tratam não comporta tais maneirismos. Buscando um “meio termo justo entre os excessos de requinte e de simplicidade”, ele afirma, no entanto, “ser difícil, senão impossível, explicar por palavras” como chegar a tal equilíbrio. Mas salienta que o “exagero do requinte, além de ser o extremo menos ‘belo’, é o mais ‘perigoso’”.
Suspeito, entretanto, que o filósofo escreveria de outra forma se vivesse hoje no Brasil. Imagino-o suplicando aos escritores para que parassem de escrever como aguadeiros, camponeses, carregadores e cocheiros. E, repetindo novamente a lição de Joseph Addison, diria: “Escrevam com sentimentos naturais, mas que não sejam óbvios”.
maio 05, 2009
Yoani Sánchez
Em abril de 2008, falei aqui sobre a filóloga cubana Yoani Sánchez e seu blog, o Generación Y. Naquela oportunidade, Yoani havia recebido o Prêmio Ortega y Gasset de Jornalismo Digital. Ontem, ela esteve presente, virtualmente, no auditório da FIESP, durante o II Fórum de Liberdade de Imprensa e Democracia, organizado pela Revista Imprensa. Sua participação está documentada no Canal do Instituto Millenium, no YouTube, ou no site do instituto. Vale a pena acompanhar essa voz que tem denunciado, de maneira incansável, as limitações da liberdade de expressão em Cuba.
maio 04, 2009
Uma escola maldita
A Folha de S. Paulo publicou hoje entrevista com o professor Camilo da Silva Oliveira, que dirige há 22 anos a Escola Lúcia de Castro Bueno, em Taboão da Serra (Grande São Paulo), classificada em primeiro lugar, segundo o último Enem, na rede estadual paulista – mas apenas a 2.596ª melhor escola do país (média de 58,5, em 100 pontos).
Há muito tempo eu não lia uma entrevista tão corajosa, com tantas verdades. Estão lá, para quem quiser ler, as soluções e as idéias de um diretor lúcido, dedicado à honrosa e difícil tarefa de educar. Mas educar no verdadeiro sentido da palavra: instruir, criar condições para que os alunos alcancem um alto grau de desenvolvimento espiritual. E não, como pensa a maioria dos educadores hoje, tão-somente politizar.
Abaixo, coloco dois dos melhores trechos (os grifos são meus). Eles mostram, através do olhar de um professor experiente, que os governos estão perdidos, não sabem o que fazer com a educação, não possuem qualquer norte. Não há plano estratégico, neste país, para a educação. Ao mesmo tempo, Camilo da Silva Oliveira denuncia a esquerda, que deseja transformar a escola em sindicato, que coloca a transmissão de conhecimentos, de conteúdo, em último plano.
Infelizmente, Oliveira está certo: “A escola pública vai continuar dependendo de talentos isolados”.
FOLHA - No dia-a-dia, o que a sua escola tem de diferente?
OLIVEIRA - Um eixo pedagógico, o rol de conteúdos [currículo], uma sequência de conteúdos. Fui pesquisar, porque o Estado não tinha subsídio para isso. Pesquisei escolas particulares e vestibulares de ponta. O Estado nem desconfiava desse rol. E hoje, 20 anos depois, ainda nem desconfia [o currículo começou a ser implementado na rede estadual em 2008].
FOLHA - O sr. então tem uma escola que não segue a rede.
OLIVEIRA - Aqui é uma escola maldita, que vai contra os modismos de cada secretário. Depois da Rose Neubauer [gestão Mario Covas], em que as escolas perdiam aulas para treinamento de professores em horário de serviço, veio um que nem sabe o que é rol de conteúdos [Gabriel Chalita, gestão Geraldo Alckmin]. A escola, que já não funcionava, ficava uma semana em feira de ciências ou excursões para zoológico. Melhora o ensino? Vi que era fria e tirei a escola disso. No governo Serra, temos o terceiro secretário em dois anos e meio. Se o meu projeto dependesse do governo, estaria esfacelado. A menina do Mackenzie [Maria Lúcia Marcondes Carvalho Vasconcelos, primeira secretária da gestão José Serra] era bem intencionada, mas não conseguiu nada. A segunda [Maria Helena Guimarães de Castro] eu respeito porque sabe que escola é avaliação. E sabe que para avaliar precisa de um rol de conteúdos. Mas teve problemas de gestão. Por exemplo, a prova de temporários era uma boa ideia. Mas a implementação foi péssima, sem preparo jurídico, o que melou o sistema. Ou seja, o governo não tem a menor ideia do que fazer com as escolas. Deveríamos nos preocupar com o que realmente interessa, que é a aprendizagem dos alunos. Depois se acerta a burocracia. Hoje, os diretores ficam mais preocupados com as atinhas, e o aluno não tem aula. É uma inversão. É triste, porque se é esse caos em São Paulo, imagina nos outros Estados. Nem as universidades conhecem a rede. Ganhei da Escola de Aplicação da USP [que ficou em 3.293º lugar no ranking nacional], por exemplo. E a esquerda até hoje acha que a democracia é o principal debate para a escola. Você pega o PT, eles estão discutindo eleição para diretor de escola. Uma bobagem. Deveria pegar os melhores quadros para dirigir a escola. Isso aqui não é sindicato. Estou me aposentando e não vejo caminho. A escola pública vai continuar dependendo de talentos isolados. O Estado só atrapalha. Aquelas que seguiram a linha, se esfacelaram.
Há muito tempo eu não lia uma entrevista tão corajosa, com tantas verdades. Estão lá, para quem quiser ler, as soluções e as idéias de um diretor lúcido, dedicado à honrosa e difícil tarefa de educar. Mas educar no verdadeiro sentido da palavra: instruir, criar condições para que os alunos alcancem um alto grau de desenvolvimento espiritual. E não, como pensa a maioria dos educadores hoje, tão-somente politizar.
Abaixo, coloco dois dos melhores trechos (os grifos são meus). Eles mostram, através do olhar de um professor experiente, que os governos estão perdidos, não sabem o que fazer com a educação, não possuem qualquer norte. Não há plano estratégico, neste país, para a educação. Ao mesmo tempo, Camilo da Silva Oliveira denuncia a esquerda, que deseja transformar a escola em sindicato, que coloca a transmissão de conhecimentos, de conteúdo, em último plano.
Infelizmente, Oliveira está certo: “A escola pública vai continuar dependendo de talentos isolados”.
FOLHA - No dia-a-dia, o que a sua escola tem de diferente?
OLIVEIRA - Um eixo pedagógico, o rol de conteúdos [currículo], uma sequência de conteúdos. Fui pesquisar, porque o Estado não tinha subsídio para isso. Pesquisei escolas particulares e vestibulares de ponta. O Estado nem desconfiava desse rol. E hoje, 20 anos depois, ainda nem desconfia [o currículo começou a ser implementado na rede estadual em 2008].
FOLHA - O sr. então tem uma escola que não segue a rede.
OLIVEIRA - Aqui é uma escola maldita, que vai contra os modismos de cada secretário. Depois da Rose Neubauer [gestão Mario Covas], em que as escolas perdiam aulas para treinamento de professores em horário de serviço, veio um que nem sabe o que é rol de conteúdos [Gabriel Chalita, gestão Geraldo Alckmin]. A escola, que já não funcionava, ficava uma semana em feira de ciências ou excursões para zoológico. Melhora o ensino? Vi que era fria e tirei a escola disso. No governo Serra, temos o terceiro secretário em dois anos e meio. Se o meu projeto dependesse do governo, estaria esfacelado. A menina do Mackenzie [Maria Lúcia Marcondes Carvalho Vasconcelos, primeira secretária da gestão José Serra] era bem intencionada, mas não conseguiu nada. A segunda [Maria Helena Guimarães de Castro] eu respeito porque sabe que escola é avaliação. E sabe que para avaliar precisa de um rol de conteúdos. Mas teve problemas de gestão. Por exemplo, a prova de temporários era uma boa ideia. Mas a implementação foi péssima, sem preparo jurídico, o que melou o sistema. Ou seja, o governo não tem a menor ideia do que fazer com as escolas. Deveríamos nos preocupar com o que realmente interessa, que é a aprendizagem dos alunos. Depois se acerta a burocracia. Hoje, os diretores ficam mais preocupados com as atinhas, e o aluno não tem aula. É uma inversão. É triste, porque se é esse caos em São Paulo, imagina nos outros Estados. Nem as universidades conhecem a rede. Ganhei da Escola de Aplicação da USP [que ficou em 3.293º lugar no ranking nacional], por exemplo. E a esquerda até hoje acha que a democracia é o principal debate para a escola. Você pega o PT, eles estão discutindo eleição para diretor de escola. Uma bobagem. Deveria pegar os melhores quadros para dirigir a escola. Isso aqui não é sindicato. Estou me aposentando e não vejo caminho. A escola pública vai continuar dependendo de talentos isolados. O Estado só atrapalha. Aquelas que seguiram a linha, se esfacelaram.