Um último obrigado
Na padaria, ontem cedo, soube que Toninho foi despedido. O homem que me atendeu no café-da-manhã durante os últimos cinco anos acaba de se perder na imensidão de São Paulo. Nunca mais o verei, certamente. E parece-me estranho que esse homem, sempre tão gentil, sempre atencioso, desapareça sem ao menos um último aperto de mão.
Logo cedo, no balcão do café, era Toninho quem se desdobrava, e seu nome podia ser escutado a todo o momento, em meio ao barulho das xícaras, às ordens gritadas para o chapeiro e ao atropelo dos que chegavam ali para a primeira refeição do dia, antes de pegarem o metrô.
Naqueles minutos tensos, quando a turba se amontoava em volta do balcão, fazendo seus pedidos ao mesmo tempo, dando aos tons de voz uma urgência às vezes mentirosa, ele era o único que nunca perdia a paciência. E o que me encantava na sua maneira de atender é que Toninho jamais foi servil. Havia uma leve tensão em seus gestos; possuído de uma agilidade e de uma concentração inigualáveis, ele comandava aquele espaço. Era educado sem ser submisso – qualidade rara em um empregado cuja principal tarefa é atender bem ao cliente, deixá-lo satisfeito, com a sensação de que, entre todos os que circundam a máquina de café e a vitrine de salgados, ele é o mais importante.
Observar o comportamento desse homem significava entender de que maneira alguém pode, apesar da função subalterna, manter sua dignidade, conceder aos seus menores atos certa dose de arte – com que perfeição ele lavava os copos e as xícaras; sua destreza ao preencher as comandas; e sempre, antes de me cumprimentar, tomava o cuidado de enxugar as mãos –, e assim manter-se acima da massa banal. Ser um subalterno, mas transformar seu trabalho em um refinado sistema de gestos, palavras, olhares e certezas.
Temo que ele tenha sido despedido por causa da idade, pois já passava dos quarenta. Mas se foi essa a razão, o que posso dizer, senão lastimar que, vagando por São Paulo ou remoendo suas decepções em alguma humilde casa da periferia, ele esteja impedido de ler este texto e, principalmente, de saber que suas diferentes gentilezas permanecem guardadas em minha memória – e que faço dessas lembranças uma forma de lhe dizer meu último muito obrigado.
Rodrigo,
ResponderExcluirO tema trabalho, como bem sabe, me toca profundamente.
Você conseguiu definir algo que há tempos tentava: 'ser educado, sem ser submisso'. Essa frase é para mim de uma preciosidade enorme! Não reconheço os atendentes do Mcdonald's ou de redes do tipo blockbuster, para não dizer dos operadores de telemarketing, sendo educados e, sim, submissos. Submissos à regra padronizada que alguém considerou apropriada para 'bem atender' aos clientes. São, infelizmente, 'domesticados' para serem servis. Fica a questão: qual será o reflexo na personalidade desses trabalhadores, que devem ferir sua maneira de ser?
Toninho não aceitou as regras e seguiu sendo ele mesmo. Seria essa a razão da demissão?
Qual é a justificativa do empregador? dependendo, valeria um boicote organizado!
Grande abraço
Selma
Selma querida:
ResponderExcluirVocê sabe que eu não acredito mais, faz tempo, em "boicote organizado" e coisas do gênero, não é mesmo? No fim desses processos, digamos, coletivos, a maioria acaba sempre manipulada por meia dúzia de espertinhos (para dizer o mínimo). A superação do servilismo, em minha opinião, só pode acontecer com a conquista do que chamo de "civilização". Ou seja, precisamos de mais alguns séculos de história e vastos investimentos em educação, minha amiga. Não há outra forma de mudar realmente as coisas. No caso de Toninho, por algum motivo ele conseguiu erguer os olhos acima da mediocridade. Mas o que explica sua conquista é o lado escuro da Lua: a história pessoal dele, que, infelizmente, desconhecemos. Grande beijo!